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quinta-feira, 7 de março de 2013

O sal aumenta o risco de doenças autoimunes




Foi descoberta uma relação entre o excesso de sal na alimentação e o aumento de células do sistema imunitário envolvidas em doenças autoimunes como a esclerose múltipla, a diabetes tipo 1, a psoríase, entre outras.

Os sais são essenciais à vida. Mas, como com quase tudo o resto, o excesso deles pode arrastar a vida para a doença e eventual morte. É o que sucede com o excesso do sal de cozinha na nossa alimentação. O cloreto de sódio (símbolo químico NaCl) está presente nos oceanos das nossas descobertas marítimas em cerca de 3,5% da sua composição em peso (ou seja, existem cerca de 35 g num litro de mar). No nosso corpo (um adulto com 60 kg tem cerca de 150 g de NaCl no seu corpo). os iões que o compõem são essenciais para o funcionamento, por exemplo, do sistema nervoso, participando na geração dos impulsos nervosos.

Há sempre sal no nosso pensamento, nos nossos sonhos, nas nossas emoções e afectos. As lágrimas sabem a sal.

Para manter o NaCl que necessitamos no nosso corpo, a Organização Mundial da Saúde indica que devemos ingerir menos de 5 g daquele sal por dia. O consumo de cerca de 2 g de NaCl (presente já em vários alimentos sem que seja necessário mais adições) é considerado saudável).


Cristais de NaCl


Há muito que se sabe que o seu excesso de sal na alimentação é prejudicial à saúde. Desde há pelo menos décadas que o excesso de NaCl está associado a um risco significativamente maior no desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

Agora foi descoberto que este mesmo sal está envolvido em determinadas em vias metabólicas, na regulação e maturação de células específicas do nosso sistema imunitário: linfócitos Th17.

Em três artigos (ver aqui, aqui e aqui) publicados no dia 6 de Março na edição online da revista Nature, investigadores das Universidades de Yale, de Harvard, de vários centros hospitalares nos Estados Unidos da América do Norte e na Alemanha, demonstram que a presença em excesso e continuada daquele sal no organismo tem como consequência uma híperestimulação na maturação e activação dos linfócitos Th17.


Imagem de um linfócito T rodeado de glóbulos vermelhos.


Se por um lado estas importantes células do nosso sistema imunitário nos protegem contra microrganismos invasores e causadores de doenças, a sua actividade está também associada a doenças autoimunes (em que células do próprio organismo são por elas “atacadas” e destruídas). Entre estas doenças encontram-se a esclerose múltipla, a diabetes do tipo 1, a doença inflamatória do intestino, alguns tipos de psoríase.

Os investigadores destes estudos identificaram que as pessoas que comem regularmente “fast food” (geralmente contendo quantidades generosas de sal) possuem quantidades significativamente maiores de células Th17 activas. Descobriram ainda que a presença de excesso de sal estimula estas células a produzirem e libertarem substâncias que provocam inflamações (como a interleucina 17).

Estes estudos constituem um forte sinal de alerta para os efeitos tremendamente nocivos entre uma alimentação com excesso de sal e o estado geral de saúde, aumentando significativamente os factores de risco associados com o desenvolvimento ou agravamento doenças autoimunes.

Assim, reduza o sal na sua alimentação. Verá que a sua vida ganhará outro sal!

António Piedade

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Dia Mundial das Doenças Raras




Um espirro anuncia a constipação. Também sintoma de uma gripe que por vezes se diz comum. Estas constipações e gripes são aflições nada raras ao longo de todo o ano e a maior parte de nós já com elas conviveu pelo menos uma vez na história das nossas vidas.

Contrariamente as estas e outras doenças sazonais, “passageiras” e comuns à maioria dos seres humanos, há um conjunto de doenças genéticas que acompanham e afectam gravemente a vida dos seus portadores: as doenças raras. Este ano o Dia Mundial das Doenças Raras celebra-se a 28 de Fevereiro.

Passou mais de uma década depois da descodificação do Genoma Humano. O mapeamento completo dos cerca de 20 mil genes humanos foi apresentado em conferência de imprensa a nível mundial a 14 de Abril de 2003. Um ano antes, foi fundada em Portugal a Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras - “Raríssimas”, mais precisamente a 12 de Abril de 2002.

Na União Europeia, consideram-se doenças raras as que têm uma prevalência inferior a 5 em 10000 pessoas. São conhecidas cerca de sete mil doenças raras, mas estima-se que existam mais, afectando, no seu conjunto até 6% da população, o que significa que atingem 40 milhões de pessoas na Europa e que existirão até 600 mil pessoas com estas patologias em Portugal. São doenças crónicas, graves e degenerativas que diminuem muito a qualidade de vida dos por elas afectados.
Uma lista de algumas doenças raras já diagnosticadas pode ser consultada aqui.

O mapeamento completo do Genoma Humano tem permitido compreender melhor os mecanismos moleculares que estão na origem de inúmeras doenças genéticas, muitas delas doenças raras, para as quais não se vislumbravam quaisquer curas e/ou tratamentos adequados antes do Projecto do Genoma Humano ter sido completado. Mas há ainda muito para fazer e compreender em cada ser humano com o seu específico fenótipo bioquímico.

O desenvolvimento de uma farmacogenómica dedicada à compreensão da base genética e metabólica das doenças, só possível depois do mapeamento do genoma e desenvolvimento e progressiva compreensão do proteoma e metaboloma humanos, veio desvendar novos horizontes tecnicamente exequíveis para as doenças raras, para os metabolismos extremos e externos ao território clássico das ciências farmacêuticas.

As doenças raras, também conhecidas por “doenças órfãs”, relegadas para os extremos das distribuições estatísticas gaussianas de susceptibilidade a doenças e interacções farmacológicas, ganharam novas e renovadas esperanças: a de ser possível antecipar o seu diagnóstico (inclusive pré-natal ou mesmo pré-concepcional) e eventualmente alterar radicalmente a história de vida de uma pessoa em particular; a de ser possível a compreensão do mecanismo molecular da doença e assim identificar alvos para o desenvolvimento de promissoras estratégias farmacológicas; o desenvolvimento de novos fármacos desenhados e ajustados à especificidade de um indivíduo em particular, eventualmente menos dispendiosos para todos os agentes envolvidos.

A atenção e os esforços sociais em relação aos portadores de uma dada doença designada por rara são sinónimos dos avanços civilizacionais em que a humanidade é substância, em que cada um tem direito a ter a melhor qualidade de vida com dignidade independente das suas especificidades e diferenças.

Aqueles que noutras eras não conseguiriam sobreviver à nascença, têm hoje a possibilidade de partilhar a sua individualidade com a sociedade de que também fazem parte, e enriquecer, com a sua raridade, nós todos, comuns mortais.

António Piedade



Legenda Figura: A Progéria tem origem em um único e pequeno defeito no código genético do bebé, mas tem efeitos terríveis para a vida da criança que geralmente não chega aos 13 anos de idade.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Novas células no desenvolvimento dos ovários


Fertilidade feminina

Estudo reescreve o conhecimento sobre o desenvolvimento dos ovários



Diagrama esquemático do desenvovimento do ovário (créditos PLOS ONE)

Durante mais de uma década os cientistas pensavam que as células foliculares dos ovários, responsáveis pela produção e maturação dos oócitos (células percursoras dos óvulos), se originavam a partir das células epiteliais na superfície dos ovários à medida que estes se desenvolvem no feto feminino.

Mas uma investigação levada a cabo por investigadores da Universidade de Adelaide, na Austrália, pode vir a revolucionar o conhecimento sobre como os ovários se formam, assim como abrir novas perspectivas sobre a saúde e a fertilidade feminina.

O estudo, agora publicado na revista PLOS ONE , também descreve e nomeia um novo tipo de células que parecem ter um papel determinante no desenvolvimento dos ovários e dos folículos. Trata-se de células que os autores chamaram células GREL (Gonadal Ridge Epithelial-Like) e que serão percursoras quer das células da superfície dos ovários quer das células foliculares.

Esta descoberta vem abrir o caminho para futuros estudos que permitam compreender melhor como é que os ovários e as suas células foliculares se desenvolvem no feto feminino a partir das células agora identificadas.

Ray Rodgers, líder da investigação agora publicada, diz que este trabalho “pode permitir compreender melhor uma grande gama de condições clínicas, tais como a falha prematura dos ovários, menopausa precoce, síndroma de ovários poliquísticos (SOPQ), e cancro dos ovários”, entre outras.






Este estudo mostrou também, e pela primeira vez, que nas primeiras fases do desenvolvimento dos ovários estes não possuem uma camada de células epiteliais na sua superfície, embora os investigadores não encontrem ainda nenhuma explicação para esta descoberta.

Este estudo é mais um exemplo de como o conhecimento científico evolui. Novas descobertas obrigam a rever os modelos existentes e a substitui-los por novos que expliquem a totalidade dos factos observados (antigos e novos).

É assim com este caso: quando se pensava conhecer toda a arquitectura tecidular dos ovários eis que uma investigação descobre um novo tipo de células, percursoras de outras já conhecidas, que desempenha um papel importante nas primeiras fases do desenvolvimento dos ovários no feto feminino e na história da sua saúde e fertilidade. 

É que como os bebés femininos nascem já com a totalidade dos futuros óvulos nos ovários, tudo o que interfira com o seu desenvolvimento intrauterino, escreve a sua história futura.

António Piedade




segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

24 Genes associados à miopia


24 genes foram agora associados a problemas da visão devidos a erros refractivos e à miopia.


Trinta por cento da população ocidental e mais de oitenta por cento da população asiática sofre de miopia. Durante a infância e a adolescência os olhos crescem em comprimento. Mas se crescerem demais, acontece que a luz que entra no olho, através da pupila e do cristalino, é focada antes de atingir a retina. Esta recebe assim uma informação luminosa turva e desfocada do mundo exterior, o que caracteriza a miopia.



Apesar da miopia poder ser corrigida através do uso de lentes ou de cirurgias correctivas, o facto de os olhos serem anatomicamente mais longos e a retina mais delgada, potencia outras complicações na saúde da visão, como sejam o descolamento da retina, glaucoma ou degeneração macular, especialmente nos 
casos de miopia elevada.



Num artigo publicado na edição avançada online de dia 10 de Fevereiro da revista Nature Genetics, uma equipa de investigadores do King's College de Londres identifica várias causas genéticas para este desenvolvimento excessivo do olho.

O conhecimento agora revelado pode potenciar o desenvolvimento de melhores tratamentos para a miopia, o seu diagnóstico precoce, assim como identificar outras vias de reduzir ou mesmo de a prevenir no futuro.



Vislumbram-se novos horizontes para uma melhor visão.

António Piedade

Pulseiras-termómetro inteligentes para bebés



Uma equipa de investigadores dos Departamentos de Química e Engenharia Química da Universidade de Coimbra (UC) está a desenvolver uma tecnologia para ser usada em pulseiras inteligentes de monitorização da temperatura do bebé para auxiliar pais e educadores nos cuidados de saúde.

A investigação, que se encontra na fase final de testes e de conceção de um protótipo para apresentar à indústria, começou em 2011 com o desenvolvimento de sistemas com polímeros inteligentes que conseguissem reagir à temperatura. Basicamente, «selecionámos dois polímeros de base e, com recurso a aditivos, trabalhámos esse conjunto (sistema) até o tornar sensível à temperatura desejada. Um trabalho que tira partido do facto de haver moléculas que interagem bem entre si e outras que se “odeiam”», explica, em linguagem muito simples, o coordenador do projeto, Filipe Antunes.

Segundo um pediatra consultor na investigação, a temperatura normal da pele do bebé pode variar entre os 35.0ºC e os 37.8ºC. Alcançada a melhor tecnologia para conseguir deslocar a temperatura à qual os polímeros respondem, os investigadores de Coimbra encontram-se agora a finalizar o método para atingir a temperatura de 38.0ºC e incorporar o sistema numa discreta pulseira, cujo melhor Design está a ser pensado.

 Constituída por duas partes distintas, o exterior insensível à temperatura e o interior com um reservatório que ativa a mudança de cor da pulseira quando são atingidos os 38.0ºC, a grande vantagem da pulseira inteligente de ajuda aos pais e educadores na vigilância da saúde dos seus bebés reside no facto de apresentar uma grande autonomia, ou seja, «trabalhar continuamente sem necessitar de pilhas ou bateria. Outra mais valia são os materiais utilizados, completamente biocompatíveis, garantindo segurança máxima. Se, por algum motivo, o reservatório se romper os produtos não causam qualquer tipo de lesão ao bebé», observa o investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).

A equipa está também a adaptar a tecnologia para outras aplicações, designadamente nas embalagens de congelados e de vinho, em que o consumidor poderá saber se os produtos foram mantidos à temperatura certa e se são adequados para consumir.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Poluição atmosférica associada ao nascimento de bebés com pesos inferiores a 2,5 kg.



Foi pela primeira vez demonstrado existir uma associação causal entre a exposição a partículas de poluição no ar que as mulheres gravidas respiram e atrasos no crescimento do feto durante a gravidez. O resultado é o de os bebés nascerem com pesos mais baixos do que seria normal.

A investigação mostra que as mães que estiveram expostas durante a sua gravidez a atmosferas poluídas pelos gases de combustão emitidos pelos veículos, pelo aquecimento urbano e pelas emissões das centrais eléctricas e outras indústrias que queimam combustíveis fósseis como o carvão, foram significativamente mais propensas a dar à luz bebés com peso inferior aos valores médios dos da sua região.



Este estudo, o maior efectuado até hoje sobre este assunto, análisou mais de três milhões de nascimentos em nove países da América do Norte, América do Sul, Europa, Ásia e Austrália, e foi publicado a 6 de Fevereiro de 2013 na edição avançada online da revista journal EnvironmentalHealth Perspectives. Portugal não foi incluído neste estudo.

Foi também verificado que quanto maior o grau de poluição de uma dada localidade maior é taxa de nascimentos com pesos inferiores a 2,5 kg.

É desconhecido o efeito que esta exposição pode vir a ter sobre a saúde dos bebés observados, pelo que os investigadores vão agora seguir o crescimento de um número epidemiologicamente significativo de crianças incluídas no presente estudo.



A investigação foi liderada por Tracey J. Woodruff, Professora de obstetrícia, ginecologia e ciências da reprodução na Universidade de São Francisco, Estados Unidos da América. 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Insuficiência de vitamina D pode aumentar os riscos para a Diabetes Tipo 1




Manter níveis adequados de vitamina D antes da idade adulta pode reduzir em 50% o risco de desenvolver diabetes do tipo 1 em adultos.

Este resultado vai ao encontro de estudos anteriores realizados na Finlândia, publicados na prestigiada revista The Lancet em 2001, nos quais se tinha verificado um efeito preventivo de suplementos de vitamina D em crianças para o não desenvolvimento de diabetes tipo 1.

Apesar de serem necessários mais estudos epidemiológicos e bioquímicos, esta nova investigação realça a importância da presença de vitamina D na dieta como forma de prevenir que essa doença autoimune se desenvolva na vida adulta.

O estudo aqui em referência foi publicado na edição online do dia 3 de Fevereiro da revista American Journal of Epidemiology e será publicado na edição impressa de 1 de Março de 2013.

“É surpreendente que uma doença gravíssima, tal como é a da diabetes tipo 1, possa ser prevenida provavelmente só através de uma intervenção simples e segura”, afirmou Kassandra Munger autor principal do estudo e investigador da Harvard School of Public Health.

A diabetes do tipo 1 é caracterizada pela insuficiente (ou mesmo inexistente) produção de insulina pelo pâncreas, devido à destruição das células (mais exactamente as células beta dos ilhéus de Langerhans pancreáticos) que a produzem, pelo sistema imunitário do próprio (destruição autoimune).




Os doentes de diabetes tipo 1 são, assim, insulino-dependentes. Ou seja, para poderem manter níveis fisiológicos normais de glicose no sangue têm de receber insulina através de injecções cutâneas. Apesar de se poder desenvolver em qualquer idade, a diabetes tipo 1 é mais comum em crianças, adolescentes e 
adultos jovens.

Já se sabia de outros estudos que a vitamina D influencia a produção de insulina, mas estas novas investigações vêm indicar que esta vitamina pode ter um papel de protecção contra o “ataque” autoimune. Aliás, a deficiência nos níveis de vitamina D no corpo têm sido associada a um risco aumentado para o desenvolvimento de várias doenças autoimunes.



A vitamina D, ou calciferol, é necessária para a normal absorção de cálcio pelas células após exposição solar, e é essencial para o desenvolvimento normal dos ossos e dentes. É uma vitamina lipossolúvel (solúvel em gorduras) obtida a partir do colesterol que é o seu precursor metabólico.


António Piedade



Referência do artigo:
"Preclinical Serum 25-Hydroxyvitamin D Levels and Risk of Type 1 Diabetes in a Cohort of U.S. Military Personnel," Kassandra L. Munger, Lynn I. Levin, Jennifer Massa, Ronald Horst, Tihamer Orban, and Alberto Ascherio,American Journal of Epidemiology: online February 3, 2013; March 1, 2013 print edition.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

As cidades afectam as temperaturas por milhares de quilómetros

Locations and area-averaged energy consumption of the 86 model grid points used in the perturbation runs.


O calor gerado no dia-a-dia pela actividade huamana e pelo consumo energético nas grandes áreas metropolitanas, influencia sistemas atmosféricos principais e críticos. 
Isto, segundo um estudo publicado na última edição de 27 de Janeiro da revista “Nature Climate Change”, afecta as temperaturas ao longo de milhares de quilómetros ao redor dos centros urbanos, o que significa que algumas áreas aquecem enquanto outras arrefecem. 
Esta influência das cidades sobre problemas relacionados com o aquecimento global tem sido pouco considerada, ainda segundo este estudo.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

NDM-1: UM PERIGO PARA A SAÚDE PÚBLICA?


Crónica semanal publicada no Diário de Coimbra.

Tem-se verificado nos últimos anos um reacender constante do debate sobre a eficácia dos antibióticos que usamos para combater as doenças causadas pelas bactérias patogénicas que nos colonizam.

Após algumas décadas de aparente controlo e eficácia garantida por um conjunto de antibióticos ditos de última geração, começam a surgir casos de preocupação para a saúde pública, caracterizados por um aumento daresistência bacteriana às “balas mágicas”.

Inúmeros relatórios oficiais e artigos em revistas científicas generalistas como a “Nature” ou a “Science”, ou de especialidade médica como a “The Lancet” ou a “New England Journal of Medicine", têm posto a nu algumas fragilidades na luta contra várias bactérias causadoras de doenças severas e mesmo mortais.




No meio de várias preocupações com diversos microrganismos que adquiriram resistência aos antibióticos a eles específicos, a bactéria do momento, ou melhor, o grupo de bactérias colunáveis e de primeira página são aquelas que possuem o gene que codifica uma enzima designada porNDM-1 (de New Delhi metallo-β-lactamase 1). Descoberta em 2008 em Nova Deli, num paciente sueco, em viagem pela Índia, contaminado com uma estirpe de klebsiella pneumoniae (causadora de pneumonia), aquela enzima confere a estas estirpes uma “super-resistência” aos antibióticos que actuam pela “destruição” da parede externa feita de peptidoglicano, protecção essencial das bactérias classificadas por gram-negativas. No geral as bactérias que possuem esta enzima resistem a todos os antibióticos excluindo as polimixinas. Estas são antibióticos polipeptídicos, abandonados da prática clínica entre 1970 e 1980 devido à sua elevada toxicidade sobre o organismo humano. O aparecimento de estirpes bacterianas multirresistentes “obrigou” à sua utilização de última linha em ambiente hospitalar.

Estudos subsequentes permitiram identificar a nova estratégia resistente presente em vários géneros de bactérias da família Enterobacteriaceae (que inclui muitas das que nos são patogénicas como a Salmonella ou aEscherichia), em vários países incluindo a Inglaterra, em ambiente hospitalar e muito recentemente em águas de abastecimento público em Deli (http://www.thelancet.com/journals/laninf/article/PIIS1473-3099(11)70059-7/abstract). A maior parte das investigações indica que o elemento genético que codifica a NDM-1 possui também informação genética para proteínas que funcionam com bombas que expulsam os antibióticos para fora das bactérias, assim como ainda outras informações que facilitam a sua disseminação no mundo microbiano. É um exemplo de adaptação bacteriana de última geração que faz uso da rede global de partilha de informação genética bacteriana útil em prática há milhões de anos.

Apesar da “contaminação” da rede de água pública na cidade indiana referida, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou na semana passada vários comunicados para os media retirando peso ao alarme do perigo para a saúde pública, quer local quer mundial, contrapondo a necessidade de mais investigação para determinar o grau de perigo efectivo. De facto, os poucos estudos já publicados sobre as bactérias que apresentam a NDM-1, mostram que as bactérias não se tornaram mais patogénicas, “apenas” adquiriram uma multiressistência alargada a todos os antibióticos em uso! Segundo a OMS, são necessários mais estudos para fundamentar a necessidade de alterar ou alargar os procedimentos de prevenção.

Enquanto isso, os meios de comunicação bacterianos partilham o elemento genético que contém o gene para a super-multi-ressistência e espalham a boa nova bioquímica no “In Bacteria News”: Com NDM-1 sobrevives a qualquer droga humana!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Entrevista ao professor Doutor Massano Cardoso sobre tuberculose



Entrevista ao Professor Doutor Salvador Massano Cardoso, Director do Instituto de Higiene e Medicina Social da FMUC, sobre a tuberculose.

António Piedade - Segundo a OMS, a cada segundo que passa, ou seja, a cada duas palavras desta pergunta, uma nova pessoa no mundo é infectada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, causadora da tuberculose. Cerca de um terço da população mundial está infectada pelo bacilo. Pode contextualizar a epidemiologia da doença em Portugal?
Massano Cardoso - O decréscimo da prevalência da tuberculose em Portugal é, desde há muitos anos, uma realidade que merece ser destacada. Presentemente, o número de novos casos registados coloca-nos numa posição intermédia com uma taxa de incidência de 24 por 100 mil habitantes. O “desejável” seria baixar para menos de 20 por 100 mil habitantes. Quando se atingem taxas desta natureza, é preciso muito esforço para que se possa observar uma ligeira redução. Sendo assim, no futuro, é de esperar que continuemos a observar melhorias, mas, seguramente, a um ritmo lento. Em termos geográficos existe uma grande variação da incidência da tuberculose, sendo as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto as mais atingidas. Aparentemente poderá parecer um paradoxo, ou seja, as áreas mais desenvolvidas são precisamente as que apresentam taxas de incidência mais elevadas. A justificação tem a ver com os atuais fatores de risco da tuberculose, toxicodependência, infeção VIH/Sida, imigrantes, condições facilitadoras do contágio nos bairros e cinturões dos polos de atração. Quanto aos grupos de risco, os já enunciados constituem uma preocupação muito séria, a par dos tradicionais, nomeadamente profissionais de saúde. Numa perspetiva epidemiológica, um bom empenhamento e adequada coordenação na luta contra a tuberculose não deixará de continuar a dar resultados positivos. Estamos perante uma velha doença que “sabe” aproveitar todos os condicionalismos sociais, comportamentais e económicos para se manter ativa. Portugal reúne muitos desses condicionalismos.

AP - O aumento no número de pessoas infectadas é acompanhado por um aumento de mortes devidas à doença tuberculosa?
MC - A relação morbilidade/mortalidade é linear. Quantos mais casos maior o risco de morte. No caso vertente, apesar da terapêutica e do sucesso da mesma, desde que cumpridas as regras, que, diga-se em abono da verdade, nem sempre são fáceis de cumprir, já que exige adesão durante um período longo, tem-se observado casos mortais. No contexto mundial, a realidade é particularmente confrangedora, chegando nalgumas regiões do globo a ser mesmo obscena, revelando incompetência e falta de cuidados na prevenção e tratamento.

AP - Quais os factores que nos ajudam a explicar este aumento na incidência da infecção pelo bacilo de Koch? Qual o peso, neste aumento, da resistência bacteriana às terapêuticas antibióticas utilizadas?
MC - A tuberculose esteve sempre ligada a problemas de fragilidade biológica condicionada pela falta de higiene, má alimentação e superpovoamento, além de outras patologias que se acompanham de diminuição da capacidade imunológica. Nos últimos séculos terá sido a doença que mais influenciou, em termos evolutivos, a espécie humana, ao selecionar os mais resistentes que, decerto, possuirão características biológicas próprias, as quais poderão ser responsáveis por alguns problemas de saúde típicos da sociedade moderna. De qualquer modo, a par dos fatores “clássicos”, que continuam a predominar, mesmo entre nós, a “chegada” de novos comportamentos e de novas doenças contribuíram para a sua propagação. A toxicodependência é um deles, assim como a infeção pelo VIH/Sida. Estamos perante uma doença que pode e deve ser combatida a vários níveis. Talvez o mais importante é a atuação a montante, mas muito a montante, a nível social, cultural, económico e até político de um país. Trata-se de uma doença que preenche perfeitamente os requisitos para mostrar a importância da “Network Science” (Ciência das Redes). Medidas culturais, alimentares, habitacionais, organizacionais e económicas acabam por reduzir de uma forma efetiva muitas doenças, tais como: a sida, a tuberculose ou a toxicodependência que, na periferia da rede, acabam por se entrelaçar de forma muito perigosa. Estamos perante uma doença cuja terapêutica social, numa perspetiva de prevenção, é extraordinariamente eficaz. Quanto se manifesta clinicamente, o recurso aos fármacos é indispensável, podendo, na grande maioria dos casos resolver o problema. No entanto, o número de casos de tuberculose resistentes à terapêutica é uma realidade preocupante, que, aliada à falta de investigação de novos fármacos no seu combate, preocupa, e muito, os responsáveis.

AP - Os artigos agora publicados nas duas principais revistas generalistas de referência para a Medicina (The Lancet e New England Journal of Medicine), sublinham a necessidade urgente de um teste mais rápido e preciso para a detecção do bacilo de Koch e das suas estirpes mais resistentes aos antibióticos utilizados. Qual a importância do tempo de diagnóstico para o controlo do contágio e infecção e, consequentemente, no número de casos doentes?
MC - O diagnóstico precoce desta doença é vital por duas ordens de razão. A primeira, prende-se com a facilidade e rapidez da terapêutica no indivíduo sofredor, a segunda com a diminuição do risco de contágio. Não esquecer que, muitas vezes, o diagnóstico é feito já numa fase relativamente avançada da doença. Cursa silenciosamente durante algum tempo. Traiçoeiramente mina o doente, aproveitando-se do facto para se propagar. Um diagnóstico precoce permitirá um combate muito mais eficiente, e, quem sabe, controlar, no futuro, em níveis relativamente baixos. Qualquer expectativa de erradicação do bacilo de Koch é uma utopia, porque a natureza e as características do germe em questão irão, como é fácil de prever, contornar todas as nossas medidas e intervenções. O microcosmo é um mundo que vive facilmente sem o homem, mas o homem não consegue dispensá-lo. Não esquecer que o bacilo responsável pela tuberculose já existia antes de “entrarmos” neste mundo e irá continuar após o nosso desaparecimento. Um vencedor anunciado.

sábado, 25 de setembro de 2010

O BACILO DE KOCH

Bacilo de Koch (Mycobacterium tuberculosis)


Na primavera de 1882, o alemão Heinrich Robert Koch, prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina (http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/1905/) e um dos pais da epidemiologia, identificava e descrevia pela primeira vez, através do microscópio óptico, o agente microbiano causador da Tuberculose: o bacilo de Koch, como ficou conhecido (Mycobacterium tuberculosis é o seu nome científico).
Esta descoberta foi muito importante. O artigo da sua descoberta estabeleceu a primeira etiologia da tuberculose e continha os importantes Postulados de Henle-Koch. Estes permitem estabelecer, ainda hoje, uma relação causal entre um dado agente microbiano e uma determinada doença. De referir que os postulado só foram revistos em 1976 por Alfred Evans.
Desde então, e igual para com outras doenças, identificar o bacilo é fundamental para travar a sua disseminação por contágio e poder tratar os infectados.
Hoje sabemos que o bacilo de Koch é um longínquo companheiro da evolução humana. Já existindo muito antes dos nossos primeiros ancestrais hominídeos, seguramente até antes dos primeiros mamíferos, o M. tuberculosis adaptou-se espantosamente ao tecido pulmonar humano. De tal forma que o pulmão é o seu albergue por excelência e é muito difícil combate-lo uma vez ali instalado.
Para agravar a situação, e tal como outras bactérias, este bacilo possui a habilidade de ganhar resistência aos antibióticos que contra ele desenvolvemos. Em particular, o M. tuberculosis desenvolve multi-resistência, isto é, resiste a cocktails de vários antibióticos, pelo que a galopante reincidência da tuberculose a nível mundial é uma preocupação crescente para as autoridades de saúde.
Como se disse, um dos aspectos cruciais é o da detecção do bacilo. Neste contexto, é de destacar a publicação no The Lancet e no New England Journal of Medicine de dois artigos (http://www.thelancet.com/journals/laninf/article/PIIS1473-3099(10)70165-1/fulltext e http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa0907847) que apresentam dois novos testes microbiológicos e moleculares, caracterizados por rápidos e sensíveis e que, segundo os autores, vêm contribuir para um diagnóstico mais precoce e específico ao bacilo e suas estirpes mais resistentes.

António Piedade, publicado no Diário de Coimbra em 14 de Setembro de 2010