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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Dia Mundial das Doenças Raras




Um espirro anuncia a constipação. Também sintoma de uma gripe que por vezes se diz comum. Estas constipações e gripes são aflições nada raras ao longo de todo o ano e a maior parte de nós já com elas conviveu pelo menos uma vez na história das nossas vidas.

Contrariamente as estas e outras doenças sazonais, “passageiras” e comuns à maioria dos seres humanos, há um conjunto de doenças genéticas que acompanham e afectam gravemente a vida dos seus portadores: as doenças raras. Este ano o Dia Mundial das Doenças Raras celebra-se a 28 de Fevereiro.

Passou mais de uma década depois da descodificação do Genoma Humano. O mapeamento completo dos cerca de 20 mil genes humanos foi apresentado em conferência de imprensa a nível mundial a 14 de Abril de 2003. Um ano antes, foi fundada em Portugal a Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras - “Raríssimas”, mais precisamente a 12 de Abril de 2002.

Na União Europeia, consideram-se doenças raras as que têm uma prevalência inferior a 5 em 10000 pessoas. São conhecidas cerca de sete mil doenças raras, mas estima-se que existam mais, afectando, no seu conjunto até 6% da população, o que significa que atingem 40 milhões de pessoas na Europa e que existirão até 600 mil pessoas com estas patologias em Portugal. São doenças crónicas, graves e degenerativas que diminuem muito a qualidade de vida dos por elas afectados.
Uma lista de algumas doenças raras já diagnosticadas pode ser consultada aqui.

O mapeamento completo do Genoma Humano tem permitido compreender melhor os mecanismos moleculares que estão na origem de inúmeras doenças genéticas, muitas delas doenças raras, para as quais não se vislumbravam quaisquer curas e/ou tratamentos adequados antes do Projecto do Genoma Humano ter sido completado. Mas há ainda muito para fazer e compreender em cada ser humano com o seu específico fenótipo bioquímico.

O desenvolvimento de uma farmacogenómica dedicada à compreensão da base genética e metabólica das doenças, só possível depois do mapeamento do genoma e desenvolvimento e progressiva compreensão do proteoma e metaboloma humanos, veio desvendar novos horizontes tecnicamente exequíveis para as doenças raras, para os metabolismos extremos e externos ao território clássico das ciências farmacêuticas.

As doenças raras, também conhecidas por “doenças órfãs”, relegadas para os extremos das distribuições estatísticas gaussianas de susceptibilidade a doenças e interacções farmacológicas, ganharam novas e renovadas esperanças: a de ser possível antecipar o seu diagnóstico (inclusive pré-natal ou mesmo pré-concepcional) e eventualmente alterar radicalmente a história de vida de uma pessoa em particular; a de ser possível a compreensão do mecanismo molecular da doença e assim identificar alvos para o desenvolvimento de promissoras estratégias farmacológicas; o desenvolvimento de novos fármacos desenhados e ajustados à especificidade de um indivíduo em particular, eventualmente menos dispendiosos para todos os agentes envolvidos.

A atenção e os esforços sociais em relação aos portadores de uma dada doença designada por rara são sinónimos dos avanços civilizacionais em que a humanidade é substância, em que cada um tem direito a ter a melhor qualidade de vida com dignidade independente das suas especificidades e diferenças.

Aqueles que noutras eras não conseguiriam sobreviver à nascença, têm hoje a possibilidade de partilhar a sua individualidade com a sociedade de que também fazem parte, e enriquecer, com a sua raridade, nós todos, comuns mortais.

António Piedade



Legenda Figura: A Progéria tem origem em um único e pequeno defeito no código genético do bebé, mas tem efeitos terríveis para a vida da criança que geralmente não chega aos 13 anos de idade.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Abelhões sentem os campos eléctricos das flores



Abraço o arco-íris com o olhar visível.

A separação das componentes do espectro da luz solar, ao atravessarem as gotas de água, imprime na minha retina sensações de uma paleta de cores que o meu cérebro retém. A cada nuance colorida associa um nome e mesmo outras sensações de alegria, esperança, espanto, confiança, frio ou calor. As cores passam a ser elementos da minha comunicação com o mundo que me rodeia.

Mas há muito mais radiação para além da pequena região da luz que nos impressiona visivelmente no espectro da luz solar. Por exemplo, não conseguimos ver as radiações ultravioletas nem as infravermelhas. Também não conseguimos ver as radiofrequências nem as micro-ondas, e assim por adiante.

Mas outros seres que coabitam connosco este planeta conseguem percepcionar a luz para além da região do espectro visível. Por exemplo, as abelhas conseguem ver cores ultra-violetas. Este facto levou o biólogo evolucionista Richard Dawkins a referir que para os insectos os campos de flores são “jardins ultravioletas”. Se para a maioria de nós as pétalas do mal-me-quer são uniformemente brancas, para uma abelha pode haver nelas uma outra riqueza de padrões coloridos que nós não conseguimos ver. É possível viver estas sensações na exposição permanente do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra.

É o espelho da co-evolução entre as plantas com flor e os insectos que as polinizam. Ao longo de milhões de anos a evolução natural consertou as adaptações ajustando-as para uma comunicação mais eficaz e rica entre ambos.

Mas a Natureza não para de nos espantar. Num trabalho publicado na última edição da revista Science  mostra-se que pelo menos um dado tipo de abelhões (Bombus terrestris) é sensível à carga eléctrica, ou ao campo eléctrico, de uma dada flor. E que esta carga eléctrica parece estar associada com o conteúdo em pólen que essa flor possui num dado momento. 




Os investigadores descobriram que depois de uma flor ser visitada por uma abelhão, que lhe retira pólen, a carga eléctrica desta flor altera-se e esta mudança permanece durante alguns minutos. Assim, um outro abelhão, ao se aproximar dessa flor, apercebe-se, provavelmente electrostaticamente, que o conteúdo em pólen é reduzido.

Apesar de toda beleza cromática que apresenta para atrair o insecto, a flor não faz "publicidade enganosa" e comunica ao insecto que não vale a pena, naquele momento, ele nela poisar se ao pólen vem. O abelhão agradece, pois, como em outras actividades, nesta o tempo também é precioso. Para a flor, como também em outros casos, é importante dizer a verdade para que o insecto a ela volte noutra altura de mais abundância polínica.

Para uma abelha um campo de flores não é só um jardim no ultravioleta. Este também está repleto de sensações electroestáticas que tornam a comunicação mais efectiva e rica de significados.

António Piedade

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

UM MUNDO IMAGINADO, MAS MUITO REAL





Em 1988, vivi de forma intensa e maravilhado “um mundo imaginado”. Uma experiência real de investigação científica através de um livro, com aquele título, então publicado na língua portuguesa pela Gradiva, editora que me ensinou a caminhar na ciência.

Linha após linha, página após página, eu, então jovem estudante de Bioquímica na Universidade de Coimbra, vivi 5 anos de uma história real e intensa de descoberta científica, num só fôlego, numa noite que se fez dia inúmeras vezes. 

Vivi, através do relato rigoroso e apaixonado de June Goodfield, autora do livro, os dias e as noites sem horário, a entrega persistente e lúcida, os avanços e retrocessos, os obstáculos e os recuos, a alegria e o desespero silencioso do processo científico efectuado sob a linha do desconhecido por uma promissora cientista portuguesa a trabalhar nos Estados Unidos. 

A cientista era a Bióloga Maria de Sousa, Professora Catedrática de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Jubilada em Outubro de 2009 (ver aqui vídeo da sua última aula) e agora homenageada pela Universidade de Coimbra com a atribuição do prémio desta instituição. Sublinho uma das inúmeras frases de referência que, nessa sua aula de jubilação, Maria de Sousa proferiu ao dizer, cito de cor, que ao longo da sua carreira só fez aquilo que sabia fazer: trabalhar!

A investigação em causa, uma caminhada árdua de cinco anos no Cornell Medical College, em Nova Iorque, na segunda metade da década de 70 do século passado e que produziu uma grande descoberta relacionada com o sistema imunitário, mais especificamente com o Linfoma de Hodgkin.

Mais do que um relato é um retrato vivo, com molduras que se abrem em novos quadros a cada obstáculo ultrapassado, com nevoeiros densos a dificultar a leitura de algumas derrotas, de becos aparentes que pareciam esfumaçar, com o folhear de uma página, anos de trabalho árduo.

Nesta hora de homenagem e reconhecimento da Universidade de Coimbra a esta sempre discreta mas incontornável referência do melhor da investigação científica, na sua área a nível mundial, realço a qualidade da sua dedicação ao trabalho científico, as descobertas que fizeram e fazem escola e que aparecem agora facilitados no tempo pela excelência da sua pessoa humana. 

A enormidade da discrição enquanto pessoa contrasta abismalmente com a importância incontornável do seu trabalho científico. De referir que Maria Sousa produziu, desde 1960, artigos científicos cruciais à definição da estrutura funcional dos órgãos que constituem o sistema imunológico, descobrindo em 1971, um fenómeno que pode ser descrito pela capacidade de células imunitárias de diferentes origens migrarem e se organizarem em áreas bem determinadas dos órgãos linfóides periféricos, processo celular que designou e é conhecido por “ecotaxis”. Foi e é pioneiro o seu trabalho sobre a importância da homeostase do ferro no organismo e a relação das suas perturbações com várias patologias.



No capítulo da divulgação de ciência e da formação sobre o que é o dia-a-dia de quem faz ciência, deveria ser obrigatório ler este “Mundo Imaginado”, apesar de esgotado no editor (de June Goodfield, Gradiva, coleccção Ciência Aberta nº 9), para mim, e para muitos, um dos melhores livros sobre ciência e talvez o melhor sobre ciência em acção directa. 

Para progredirmos temos de aprender com os exemplos dos melhores, independentemente da sua área. E no panorama da realização científica portuguesa das últimas décadas Maria de Sousa é incontornável. Ou, como ela com certeza corrigiria, o seu trabalho é que é incontornável.

António Piedade

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Tráfego Luminoso


"Visualizing proteins is crucial for understanding normal cell function, yet current labeling methods are limited. Despite their remarkable specificity, GFP-type proteins are too bulky, often exceeding the size of their protein targets—thus interfering with their function and trafficking—and the only small peptide label in use is toxic to cells. To address this, Alice Ting from the Massachusetts Institute of Technology and colleagues developed an enzyme-mediated intracellular protein label that’s small, highly specific, and not toxic.

Read more:Light traffic - The Scientist - Magazine of the Life Scienceshttp://www.the-scientist.com/2010/10/1/67/2/#ixzz11VkvWeqX"

C. Uttamapinant et al., “A fluorophore ligase for site-specific protein labeling inside living cells,”Proc Natl Acad Sci USA, 107:10914-19, 2010.Free F1000 Evaluation

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Entrevista ao professor Doutor Massano Cardoso sobre tuberculose



Entrevista ao Professor Doutor Salvador Massano Cardoso, Director do Instituto de Higiene e Medicina Social da FMUC, sobre a tuberculose.

António Piedade - Segundo a OMS, a cada segundo que passa, ou seja, a cada duas palavras desta pergunta, uma nova pessoa no mundo é infectada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, causadora da tuberculose. Cerca de um terço da população mundial está infectada pelo bacilo. Pode contextualizar a epidemiologia da doença em Portugal?
Massano Cardoso - O decréscimo da prevalência da tuberculose em Portugal é, desde há muitos anos, uma realidade que merece ser destacada. Presentemente, o número de novos casos registados coloca-nos numa posição intermédia com uma taxa de incidência de 24 por 100 mil habitantes. O “desejável” seria baixar para menos de 20 por 100 mil habitantes. Quando se atingem taxas desta natureza, é preciso muito esforço para que se possa observar uma ligeira redução. Sendo assim, no futuro, é de esperar que continuemos a observar melhorias, mas, seguramente, a um ritmo lento. Em termos geográficos existe uma grande variação da incidência da tuberculose, sendo as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto as mais atingidas. Aparentemente poderá parecer um paradoxo, ou seja, as áreas mais desenvolvidas são precisamente as que apresentam taxas de incidência mais elevadas. A justificação tem a ver com os atuais fatores de risco da tuberculose, toxicodependência, infeção VIH/Sida, imigrantes, condições facilitadoras do contágio nos bairros e cinturões dos polos de atração. Quanto aos grupos de risco, os já enunciados constituem uma preocupação muito séria, a par dos tradicionais, nomeadamente profissionais de saúde. Numa perspetiva epidemiológica, um bom empenhamento e adequada coordenação na luta contra a tuberculose não deixará de continuar a dar resultados positivos. Estamos perante uma velha doença que “sabe” aproveitar todos os condicionalismos sociais, comportamentais e económicos para se manter ativa. Portugal reúne muitos desses condicionalismos.

AP - O aumento no número de pessoas infectadas é acompanhado por um aumento de mortes devidas à doença tuberculosa?
MC - A relação morbilidade/mortalidade é linear. Quantos mais casos maior o risco de morte. No caso vertente, apesar da terapêutica e do sucesso da mesma, desde que cumpridas as regras, que, diga-se em abono da verdade, nem sempre são fáceis de cumprir, já que exige adesão durante um período longo, tem-se observado casos mortais. No contexto mundial, a realidade é particularmente confrangedora, chegando nalgumas regiões do globo a ser mesmo obscena, revelando incompetência e falta de cuidados na prevenção e tratamento.

AP - Quais os factores que nos ajudam a explicar este aumento na incidência da infecção pelo bacilo de Koch? Qual o peso, neste aumento, da resistência bacteriana às terapêuticas antibióticas utilizadas?
MC - A tuberculose esteve sempre ligada a problemas de fragilidade biológica condicionada pela falta de higiene, má alimentação e superpovoamento, além de outras patologias que se acompanham de diminuição da capacidade imunológica. Nos últimos séculos terá sido a doença que mais influenciou, em termos evolutivos, a espécie humana, ao selecionar os mais resistentes que, decerto, possuirão características biológicas próprias, as quais poderão ser responsáveis por alguns problemas de saúde típicos da sociedade moderna. De qualquer modo, a par dos fatores “clássicos”, que continuam a predominar, mesmo entre nós, a “chegada” de novos comportamentos e de novas doenças contribuíram para a sua propagação. A toxicodependência é um deles, assim como a infeção pelo VIH/Sida. Estamos perante uma doença que pode e deve ser combatida a vários níveis. Talvez o mais importante é a atuação a montante, mas muito a montante, a nível social, cultural, económico e até político de um país. Trata-se de uma doença que preenche perfeitamente os requisitos para mostrar a importância da “Network Science” (Ciência das Redes). Medidas culturais, alimentares, habitacionais, organizacionais e económicas acabam por reduzir de uma forma efetiva muitas doenças, tais como: a sida, a tuberculose ou a toxicodependência que, na periferia da rede, acabam por se entrelaçar de forma muito perigosa. Estamos perante uma doença cuja terapêutica social, numa perspetiva de prevenção, é extraordinariamente eficaz. Quanto se manifesta clinicamente, o recurso aos fármacos é indispensável, podendo, na grande maioria dos casos resolver o problema. No entanto, o número de casos de tuberculose resistentes à terapêutica é uma realidade preocupante, que, aliada à falta de investigação de novos fármacos no seu combate, preocupa, e muito, os responsáveis.

AP - Os artigos agora publicados nas duas principais revistas generalistas de referência para a Medicina (The Lancet e New England Journal of Medicine), sublinham a necessidade urgente de um teste mais rápido e preciso para a detecção do bacilo de Koch e das suas estirpes mais resistentes aos antibióticos utilizados. Qual a importância do tempo de diagnóstico para o controlo do contágio e infecção e, consequentemente, no número de casos doentes?
MC - O diagnóstico precoce desta doença é vital por duas ordens de razão. A primeira, prende-se com a facilidade e rapidez da terapêutica no indivíduo sofredor, a segunda com a diminuição do risco de contágio. Não esquecer que, muitas vezes, o diagnóstico é feito já numa fase relativamente avançada da doença. Cursa silenciosamente durante algum tempo. Traiçoeiramente mina o doente, aproveitando-se do facto para se propagar. Um diagnóstico precoce permitirá um combate muito mais eficiente, e, quem sabe, controlar, no futuro, em níveis relativamente baixos. Qualquer expectativa de erradicação do bacilo de Koch é uma utopia, porque a natureza e as características do germe em questão irão, como é fácil de prever, contornar todas as nossas medidas e intervenções. O microcosmo é um mundo que vive facilmente sem o homem, mas o homem não consegue dispensá-lo. Não esquecer que o bacilo responsável pela tuberculose já existia antes de “entrarmos” neste mundo e irá continuar após o nosso desaparecimento. Um vencedor anunciado.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

OVÁRIO HUMANO ARTIFICIAL






Os ovários humanos são órgãos onde são produzidas e amadurecidas as células germinativas, ou gâmetas, femininas. Cada ovário, como qualquer outro órgão, é constituído por diferentes tipos de tecidos, cada qual com uma função anatómica e/ou fisiológica específica.

Em termos muito gerais, distinguem-se em cada ovário uma zona interna e central designada por medular, muito irrigada por vasos sanguíneos, e uma zona cortical, periférica, contendo inúmeros folículos ováricos em diferentes estádios de desenvolvimento.

É no interior de cada folículo, futuras enseadas de ovulação, que se encontram os oócitos (gâmetas femininos). No momento do nascimento do ser feminino, os ovários possuem cerca de quatro milhões de folículos, cada um, por sua vez, albergando um oócito primário. Destes, só 400 se desenvolverão em gâmetas capazes de serem fecundadas por um únicoespermatozóide.

No folículo primordial, o oócito primário encontra-se rodeado unicamente por um folheto de células designadas por granulosas. Parte destas, conjuntamente com a zona pelúcida, formarão a última barreira para a penetração do espermatozóide no óvulo. Mas as células da granulosa possuem uma actividade hormonal e reguladora insubstituível. Num sincronismo sussurrante com o oócito, espalham a notícia do estado do seu desenvolvimento, secretando para o resto do corpo feminino a hormonaestrogéneo e sublinhando, com pequenas quantidades de progesterona, a etapa libertatória da ovulação.

A granulosa secreta ainda uma outra hormona, a inibina, e outras substâncias que mantêm o oócito num determinado estado de desenvolvimento (paragem meiótica em metáfase II) numa cândida e imaculada espera.

Com o crescimento do oócito, as outras células foliculares expandem-se e formam a teca. Esta circunda o futuro óvulo, rodeado pela granulosa, e estimula esta última a secretar estrogéneo. Com o crescimento folicular, forma-se um antro líquido marginado pela teca, como se o futuro óvulo estivesse a ser treinado para “navegar”.

Diga-se, de passagem, que estas actividades secretoras estão em sintonia e dependem da concentração sanguínea de outras hormonas secretadaspela hipófise como sejam a FSH e a LH; que a granulosa desempenha papéis importantes nas primeiras etapas do desenvolvimento embrionário e na sua nidação no útero.

Neste contexto, entende-se que qualquer perturbação anormal sobre os folículos pode comprometer o desenvolvimento de células reprodutoras femininas e levar a uma situação de infertilidade. É o caso de mulheres sujeitas a tratamentos anticancerígenos que podem inviabilizar a funçãofolicular ovárica e logo a reprodutiva. Nestes casos, a préviacriopreservação de tecidos ováricos e posterior implante autólogo já permitiu o nascimento de crianças em mães entretanto sujeitas a químio- ouradioterapias.

Outra estratégia é a que foi agora publicada na revista Journal of AssistedReproduction and Genetics por investigadores da Universidade de Brown e do Women & Infants Hospital em Rhode Island (USA). Através de novas técnicas da engenharia de tecidos, mostram terem conseguido construir aarquitectura tecidular característica do folículo ovárico humano num molde 3D de gel de agarose e que este designado “ovário humano artificial” é potencialmente funcional para o amadurecimento de oócitos.

Estaremos perante uma nova esperança para a infertilidade feminina?

António Piedade

sábado, 25 de setembro de 2010

A EXTREMIDADE ESTÁVEL


Existem muitas diferenças entre uma célula procariótica como as bactérias, e uma célula eucariótica, como as nossas.
Uma, essencial, é a de que o material genético nas células eucarióticas está confinado no interior da célula por uma membrana designada por nuclear.No caso das bactérias, o material genético está mais ou menos livre no citoplasma.
Outra, é a de que as bactérias têm um único cromossoma circular, logo sem extremidades, enquanto as células eucarióticas possuem cromossomas em forma de bastonete e com duas extremidades designadas por telómeros (do grego “telos”, final, e “meros”, parte).
Esta transição, na forma de empacotar a informação genética, de cromossoma circular para cromossomas lineares é ponto charneira na separação entre eucariotas e procariotas, no progressivo aumento de complexidade na evolução das formas de vida. Foi início de um novo paradigma na evolução biomolecular da vida que nos deu origem.
Assim, não é de estranhar que os telómeros tenham um papel fulcral em várias etapas do ciclo celular e principalmente durante a divisão celular.
Uma constante da vida é a de a função de uma determinada biomolécula ser o resultado da sua estrutura molecular. E claro, os telómeros possuem uma arquitectura adequada à sua posição extrema nos cromossomas: são o resultado da repetição de uma determinada sequência de bases do ADN que o compõe, o motivo da repetição variando entre espécies; estes motivos sequenciais permitem um arranjo tridimensional que origina não uma dupla hélice mas uma estrutura formada por quadruplexos de bases de guanina e citosina.
Sabemos que o comprimento dos telómeros se reduz a cada divisão celular e daqui surge a imagem de que eles constituem uma espécie de relógio da longevidade. Na verdade, são mais um indicador da estabilidade e qualidade da informação genética.
Outro aspecto importante é o de garantirem a individualidade de cada um dos cromossomas. Se algo correr mal durante uma divisão celular e os teloméricos faróis falharem, poderá ocorrer fusão entre dois cromossomas antes distintos. Como acontecimento anormal pode redundar, muito provavelmente, em morte celular ou desencadear uma divisão celular descontrolada e tumoral. Noutra perspectiva, a fusão cromossómica pode, em teoria, potenciar o aparecimento de uma nova espécie!
Com uma estrutura específica, os telómeros possuem uma maquinaria proteica própria para a sua síntese, replicação, manutenção e reparação. E é na identificação destas proteínas, suas funções e a forma como elas “dialogam” com as vias de regulação dos processos celulares, que se têm verificado os avanços promissores nesta área, com potenciais aplicações no desenvolvimento de novas terapêuticas para doenças terminais como o cancro.
É neste contexto que se enquadra o trabalho de Tiago Carneiro (investigador no Instituo Gulbenkian de Ciência) recentemente publicado na revista Nature: perceber como é que determinadas proteínas funcionam e permitem que os telómeros evitem que os cromossomas se fundam uns aos outros.http://www.nature.com/nature/journal/v467/n7312/abs/nature09353.html
António Piedade, publicado no Diário de Coimbra de 21 de Setembro de 2010

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Altruísmo Bacteriano


As bactérias, microrganismos unicelulares, colonizam o planeta Terra pelo menos há cerca de 3,8 mil milhões de anos. A sua origem sobrepõe-se à da própria vida tal qual a conhecemos.

Sobreviveram a inúmeras e profundas alterações geoclimáticas, catástrofes ditas naturais, a colisões de grandes meteoros com o Planeta. Adaptaram-se a reagir quer à crónica alteração geológica do planeta, quer a situações agudas nos seus ecossistemas. É possível afirmar que são os seres vivos melhor adaptados aos “feitios” do planeta na sua viagem cósmica.

Se pensarmos nos efeitos da acção humana sobre o planeta e constatarmos que provocamos alterações nefastas (para nós!), o que dizer da acção das bactérias sobre o condomínio Terra? Basta notar que a oxigenação da atmosfera terrestre se deveu à acção de uma espécie de bactérias púrpuras: as cianobactérias. 

O aumento, ao longo de milhões de anos, da concentração relativa de oxigénio até aos actuais cerca de 20%, influenciou decisivamente a evolução das formas de vida multicelular e mais complexas, que dele ficaram cativos para os seus processos energéticos. Mas continuaram a existir bactérias que não precisam de oxigénio para viver. Algumas, por exemplo as do género Lactobacillus vivem, sem oxigénio, no nosso intestino.

Os microbiologistas têm dificuldade em encontrar lugares no planeta explorado que não estejam colonizados por bactérias. Há bactérias, designadas por extremófilas, que vivem em condições de temperatura, pressão e salubridade incompatíveis para a grande maioria das outras formas de vida do Planeta. Há um microrganismo, a estirpe 116 (Methanopyrus kandleri) que vive e reproduz-se a 122 °C!!!  

Importa dizer que, apesar de unicelulares, temos sempre de racionalizar as bactérias colocando o acento tónico na sua disseminação em colónias de bilhões de indivíduos! E que ocorre uma constante troca de informação, quer através de moléculas simples quer através de outras complexas, como as dos genes, entre a maior parte das bactérias da colónia.

Aliás, podemos, sem exagerar, notar a existência de uma forma refinada de informação bacteriana disseminada em rede e acessível em qualquer ponto da biosfera!

Assim, não é de estranhar que as bactérias tenham incorporado na sua máquina de sobrevivência estratégias para alertar os vizinhos colonos quando são alvo de agressões à sua integridade e sobrevivência.

É o que acontece com a resistência aos antibióticos. Aliás, muitos dos que usámos primeiramente são produzidos por bactérias. De facto, no combate às que nos causam doenças, utilizamos uma estratégia composta por armas bioquímicas forjadas no cadinho primevo da própria vida.

Recentemente, microbiologistas norte-americanos, de vários institutos e universidades do condado de Massachusetts, descobriram que o indol, produto da degradação do aminoácido triptofano no metabolismo bacteriano (presente de forma abundante nas fezes humanas conferindo-lhes um odor fecal característico), é uma molécula sinalizadora de stress ambiental entre bactérias da mesma espécie.

Sempre que uma bactéria é atacada por antibiótico, ela activa uma série de processos bioquímicos para sobreviver enquanto indivíduo, mas também para “avisar” as restantes bactérias da colónia da agressão.

Assim, através da difusão da “palavra” indol as bactérias da colónia activam processos bioquímicos que as tornam mais resistentes (aumento da actividade de bombas que expulsam o antibiótico do interior da bactéria; activação de processos antioxidantes). E para isso excreta indol como grito de aviso. Ao estudar o comportamento dinâmico de uma colónia de bactérias modelo, neste caso a Escherichia coli, face a doses crescentes de antibióticos, os autores do estudo publicado na revista Nature (http://www.nature.com/nature/journal/v467/n7311/full/nature09354.html) verificaram que bactérias isoladas resistem muito menos aos antibióticos do que a colónia como um todo.

Por outro lado, identificaram um comportamento semelhante ao “altruísmo humano”: algumas bactérias da colónia “sujeitam-se” a uma luta individual contra o antibiótico para encontrar uma forma de resistência. Se por um lado se colocam individualmente em perigo, o custo da sua perda resulta, por “tradição adaptativa”, na “descoberta” de uma solução de sobrevivência para a colónia como um todo!

Note-se que este comportamento “altruísta” ter-se-á optimizado ao longo da evolução bacteriana, biliões de anos antes de os primeiros mamíferos deixarem os primeiros rastos na Terra.

Uma vez que há mais bactérias no nosso intestino do que células no nosso corpo, apetece perguntar, ironizando, se haverá mais altruísmo e caridade nas nossas vísceras do que na inteira humanidade?

António Piedade, 21 de Setembro de 2010

Matizes Outonais

ilustração Inês Massano

Maria rodopia numa dança de folhas bailarinas. Em pausas coreografadas pela sua paciência, aguarda a queda de cada folha, desde o seu ramo pendente, lá do alto daquela árvore que deu sombra amena no Verão. Ondulada pelo vento que traz notícias Outonais, a copa da árvore despe-se agora do traje primaveril e os ramos afinam-se para resistirem às agruras das estações menos luminosas que já se anunciam.

Maria dança o movimento da queda de cada folha até ao solo com gestos suaves, aparentes intuições de um conhecimento antigo e íntimo com a natureza. A arquitectura da folha, evolutivamente optimizada para uma máxima exposição solar, funciona agora como um amparo contra a queda gravítica. A sua forma espalmada, permite que paire e flanqueie sucessivas colunas de ar como se deslizasse por um parque de diversões. E Maria, parece sublinhar o percurso da queda como se estivesse a despedir-se do verde e a saudar os matizes da paleta outonal.

A partitura do vento traz a Maria e uma folha companheira num passo de dança até mim. Sentado neste banco, recebo com espanto a pergunta que ela me traz num sussurro: “Como é que o arco-íris se mete dentro das folhas? Onde é que se escondeu o azul, que não o encontro na minha dança?”.

A cor das folhas é o resultado da interacção da radiação da luz solar, na janela visível do espectro, com uma matriz sub-microscópica de pigmentos. Os que “dão” cor verde às folhas, as clorofilas, são fotossintéticos. Estas moléculas estão acopladas a centros designados por fotossistemas, presentes nessas centrais solares intracelulares que são os cloroplastos.

A folha que te acompanha nessa dança é de facto uma fábrica de nutrientes. A energia radiante do sol é captada e fixada em moléculas de que os açúcares, como a glicose, são exemplo maior. Sabias que num centímetro quadrado de folha verde, mais ou menos a área de uma impressão digital tua, existem cerca de 500 milhões de cloroplastos cheios de clorofila?
Acrescentando metais à tarde, o sino da torre badala as quatro. Reparo que o astro rei, entediado com o Verão boreal, já não “sobe” tão alto no horizonte. E a árvore sabe disso. A menor irradiação solar reduz a fotossíntese. Com os dias cada vez mais pequenos e iguais às noites, anúncio de equinócio, as folhas começam a desmontar o seu arsenal fabril. Hormonas vegetais orquestram esta mudança: a folha altera-se, desalojam-se as clorofilas. E o verde intenso da primavera vai desbotando à medida que a Terra avança para equinócio de Outono.

Que cores sobejam? As que resultam da nova condição clorofilina. As que resultam da interacção da luz com outras moléculas estruturais. E velhos tons, até então discretos, sobressaem agora num requiem cromático de despedida foliar.

Maria rodopia e revolta o tapete cromático que foi sombra estival. E rodopia num planeta que avança com uma velocidade média angular menor do que aquela com que encontrou a Primavera, há 186 dias atrás. É como se o hemisfério Norte quisesse hibernar e retardar o renascer primaveril antípoda no planeta Austral.

E a cada segundo o planeta avança 30 Km, num rodopio incansável sobre o seu eixo inclinado, em 23 graus, sob o plano do seu caminho cósmico. Nessa dança à roda do Sol, aproxima-se de uma posição na sua orbita elíptica em que as noites crescentes igualam os dias minguantes. Isto ocorrerá no próximo dia 23 de Setembro, às 3h09m da madrugada, hora universal. 

Maria dança e rodopia enquanto o planeta avança.


António Piedade, 12 de Setembro de 2010