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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A DESCOBERTA DO ADN



A sigla ADN ultrapassou as fronteiras da genética e da biologia molecular e é hoje vulgar ouvirmos referências ao ADN nos órgãos de comunicação social a propósito das questões mais diversas.

O ADN, ácido desoxirribonucleico, molécula da hereditariedade, imprime iconicamente uma dupla hélice no nosso olhar. É assim desde que Watson e Crick propuseram, em 1953, esse modelo helicoidal para a biomolécula dos genes. Como acontece com tudo na vida, a forma estrutural tem em si mesma significado funcional. A revolução científica que esta descoberta causou na biologia e na medicina, faz com que ela se confunda com a descoberta da molécula ADN.

De facto, a substância ADN foi descoberta muito antes. Em 1869, o suíço Johann Friedrich Miescher (1844-1895) identificou uma nova substância ao analisar o conteúdo dos núcleos celulares dos glóbulos brancos. Essa substância era ácida e continha na sua composição fósforo, um elemento ausente nas proteínas. À nova substância, que não tinha propriedades proteicas, Miescher deu o nome de nucleína.

Note-se que esta descoberta é efectuada numa época rica em revoluções na Biologia: em 1859, Darwin publica "A Origem das Espécies"; em 1865, Schwann e Scheiden postulam a teoria celular; ainda em 1865, Mendel publica o seu artigo sobre a hereditariedade, apesar de o mesmo ter tido pouca divulgação ou consideração.

Há alguns factos curiosos ao redor da descoberta do ADN, assim como sobre o seu descobridor.
Miescher formou-se em medicina na Universidade de Basileia. Contudo, uma surdez impediu-o de exercer medicina e optou por seguir uma carreira científica, influenciado pelo seu tio, professor de química fisiológica (hoje diríamos bioquímica) naquela universidade. A sua incapacidade auditiva não o impediu de ser um investigador com uma visão acutilante para os problemas científicos na sua área. De facto a sua descoberta teve implicações na biologia, na genética, na medicina, muito além daquilo que ele poderia suspeitar na época em que viveu.

Miescher começou a sua carreira de investigação no laboratório de Felix Hoppe-Seyler (1825-1895), um dos mais prestigiados bioquímicos da época, que identificou e caracterizou a hemoglobina, entre outras proteínas. Situado no castelo de Tübingen, o laboratório ocupava as instalações de uma antiga lavandaria. A investigação nesse laboratório envolvia a identificação e caracterização do conteúdo proteico das células. Pensava-se que, uma vez identificadas todas as proteínas, se poderia compreender o funcionamento molecular da vida assim como a sua hereditariedade.

Miescher começou, assim, a explorar as proteínas no citoplasma de glóbulos brancos que obtinha a partir do pus retido em ligaduras de feridas provenientes de um hospital vizinho. Para que o material biológico não se degradasse, mantinha a janela do laboratório aberta, o que fazia com que a temperatura de trabalho rondasse os 5 graus Celsius durante o Inverno!

Apesar da sua persistência metodológica, cedo percebeu que existiam muitas mais proteínas no citoplasma dos glóbulos brancos do que aquelas que as técnicas analíticas de então permitiam identificar. Influenciado pelo eventual papel do núcleo na hereditariedade, uma ideia nova para a época, desenvolveu os protocolos necessários para isolar esse organelo celular e proceder à análise da sua composição.

É então que Miescher verifica que está perante uma substância desconhecida à época, como já se disse. A estranheza por o núcleo não ser constituído maioritariamente por proteínas, levou a que o Hoppe-Seyler duvidasse dos resultados e obrigasse Miescher e outros investigadores a repetir a caracterização inúmeras vezes. Só em 1971, dois anos após a descoberta, é que Miescher publicaria os seus resultados numa revista científica.

Ao longo da sua carreira científica, Miescher convenceu-se de que a nucleína não poderia ser a molécula responsável pela transmissão de caracteres hereditários e de que não estava envolvida na fecundação. Ademais, considerava que a nucleína deveria ser, devido ao seu enorme peso molecular, um repositório de matéria para a síntese de outras moléculas necessárias à vida.

A composição aparentemente monótona da nucleína (mais tarde rebaptizada por ácido desoxirribonucleico, ou ADN) contrastava com a diversidade incontável das proteínas. E, à falta de outras evidências experimentais, os genes não poderiam ser feitos de uma substância tão pouco diversa, teriam de ser constituídos por proteínas. Esta ideia persistiu durante mais de 70 anos, até meados da década de 40 do século XX, altura em que ficou demonstrada experimentalmente que o ADN é a molécula dos genes. 

António Piedade

domingo, 3 de novembro de 2013

A BIOQUÍMICA EM 4D

HIV in Blood Serum © David S. Goodsell 1999 



O número de células fotossensíveis (cones e bastonetes) que existem na retina do olho humano, cerca de 125 milhões, representa algo como 75 % do conjunto de todas as células que, em diferentes tecidos, estão envolvidas em processos sensoriais! Isto é uma evidência da importância que a percepção visual teve para a sobrevivência e evolução das espécies que nos deram origem e nos antecederam ao longo de milhões de translações terráqueas.

Eco funcional deste investimento na percepção visual do que nos rodeia, é o podermos antever, á distância, uma situação de perigo, um trilho na floresta densa, um fruto maduro cujo valor nutritivo compensa o esforço de nos deslocarmos para o ir comer. Não me admiraria se esta capacidade em antever pudesse ter sido força motriz ou antecâmara do pensamento ou, mais seguramente, na estruturação neuronal de um movimento.

Maior do que a sensação táctil da união das extremidades dos dedos polegar e indicador deve ter sido a sensação visual e antevisão da vantagem da oponibilidade, da precisão dos movimentos finos.

O método científico tem nele intrínseco, como parte integrante, a observação (visual) da natureza, dos resultados experimentais. De facto, quer na famosa experiencia da queda dos graves de Galileu em 1589 (na qual os observadores viram que os dois corpos com massas diferentes, largados ao mesmo tempo e da mesma altura, chegaram ao solo ao mesmo tempo), quer na descoberta das bactérias através do microscópio óptico por Antoine van Leeuwenhoek (em 1668), a visualização foi determinante para a verificação de uma hipótese, para a descoberta da ainda hoje unidade fundamental da biologia, a célula.

De facto, o desenvolvimento de tecnologia de visualização detalhada mudou a nossa percepção sobre como a natureza está estruturada e permitiu-nos entender inúmeros processos biológicos. Ao longo do século passado, a aplicação do conhecimento da dualidade partícula onda e de como a radiação electromagnética interage com a matéria permitiu o desenvolvimento de diversas técnicas de imagiologia, como sejam a radiologia convencional, a ecografia, a tomografia axial computorizada (TAC), a ressonância magnética (RM), etc.,  auxiliares incontornáveis ao diagnóstico médico. 

Mas esse conhecimento permitiu descobrir a arquitectura intracelular (microscópio electrónico, microscopia de fluorescência, microscopia de força atómica, etc.), a organização de miríades de interacções biomoleculares e estabelecer que a estrutura tridimensional das biomoléculas (cristalografia por difracção de raios X, Ressonância Magnética Nuclear, etc.) condiciona e determina a sua função, directriz estruturante do pensamento bioquímico. Na realidade, a Bioquímica estuda a interacção e a dinâmica entre moléculas numa perspectiva tridimensional e ao longo do tempo. Ou seja, é 4D tal como a vida!

Recordemos os trabalhos de Linus Pauling, Watson, Crick e Rosalin Franklin e tantos outros que, a partir dos estudos da interacção da radiação com cristais de proteínas e ácidos nucleicos, não só determinaram as respectivas estruturas tridimensionais (estrutura em hélice alfa das proteínas, estrutura em dupla hélice do ADN) assim como estabeleceram os mecanismos das suas funções biológicas. Mostraram que sem o conhecimento detalhado da estrutura é muito improvável que consigamos entender os processos bioquímicos e a dinâmica intrínseca à vida.

Os avanços na electrónica, ocorridos principalmente desde o último quartel do século XX, permitiram o desenvolvimento de tecnologias de visualização estrutural mais precisas, com menos ruído de fundo, logo mais detalhadas e sobreponíveis a uma realidade com dimensões nanometricas. Assistimos ao aparecimento e divulgação de equipamentos de imagem que fornecem informação tridimensional de amostras biológicas. Algumas, como a microscopia electrónica de varrimento (SEM), a de força atómica (AFM), a de efeito de túnel (STM) ou a microscopia de fluorescência confocal, permitem inclusive a obtenção de sequências cronológicas de imagens sub-microscópicas, permitindo a reconstrução, a posteriori, de fenómenos à escala bioquímica.

Paralelamente, os avanços nas aplicações tecnológicas das propriedades dos semicondutores, com o concomitante incremento na habilidade em miniaturizar, tem feito imergir exponencialmente uma capacidade e velocidade de cálculo impressionante nos processadores integrados nas máquinas conhecidas por computadores. Isto permitiu o desenvolvimento e rápida disseminação de excelentes softwares de tratamento de imagem, de modelação 3D, de simulação de interacções moleculares.

Esta convergência no desenvolvimento científico e tecnológico pluridisciplinar fez explodir miríades de representações visuais de um há muito anunciado mundo novo.

Passaram a ser familiares e comuns as imagens tridimensionais de proteínas no Protein Data Bank, assim como os desenhos perspectivados na aguarela de David Goodsell nas moléculas do mês. Pura arte molecular! Não menos relevante é o seu trabalho, actualizado na última edição do seu livro “Machinery of Life” (2009), em que utiliza a sua arte pictórica e o seu conhecimento bioquímico para nos apresentar instantes de um mundo biomolecular sempre em hora de ponta!

Por outro lado, a simulação molecular com parâmetros e ajustes que cada vez se aproximam mais das condições naturais, não só tem galvanizado o conhecimento, por exemplo, das interacções proteína-ligando (“docking”), como tem permitido o rápido desenvolvimento de novos fármacos o que torna viável a aproximação “from bench to bed side” apanágio da medicina e investigação translacional, ruptura epistemológica do século XXI. Ainda desta perspectiva, a simulação molecular permite validar modelos 3D da realidade nanoscópica e, assim, permitir a produção de filmes totalmente 3D e em estereoscopia que se transformam em potenciais e revolucionários instrumentos para o ensino das ciências da saúde e da vida.
Até porque é preciso uma grande capacidade de abstracção e visualização espacial para conseguir aprender estruturas e relações que só funcionam devido à sua evolução tridimensional, no espaço e no tempo, em suportes bidimensionais em que a evolução temporal exige o virar de uma página.


Ainda não sabemos medir ou prever o impacto que a visualização 3D animada e estereoscópica (4D) dos processos bioquímicos causará sobre a nossa capacidade em apreender mais intuitivamente. Mas sabemos que já é uma realidade e que está para ficar e se desenvolver na aurora deste século novo.

António Piedade


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Abelhões sentem os campos eléctricos das flores



Abraço o arco-íris com o olhar visível.

A separação das componentes do espectro da luz solar, ao atravessarem as gotas de água, imprime na minha retina sensações de uma paleta de cores que o meu cérebro retém. A cada nuance colorida associa um nome e mesmo outras sensações de alegria, esperança, espanto, confiança, frio ou calor. As cores passam a ser elementos da minha comunicação com o mundo que me rodeia.

Mas há muito mais radiação para além da pequena região da luz que nos impressiona visivelmente no espectro da luz solar. Por exemplo, não conseguimos ver as radiações ultravioletas nem as infravermelhas. Também não conseguimos ver as radiofrequências nem as micro-ondas, e assim por adiante.

Mas outros seres que coabitam connosco este planeta conseguem percepcionar a luz para além da região do espectro visível. Por exemplo, as abelhas conseguem ver cores ultra-violetas. Este facto levou o biólogo evolucionista Richard Dawkins a referir que para os insectos os campos de flores são “jardins ultravioletas”. Se para a maioria de nós as pétalas do mal-me-quer são uniformemente brancas, para uma abelha pode haver nelas uma outra riqueza de padrões coloridos que nós não conseguimos ver. É possível viver estas sensações na exposição permanente do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra.

É o espelho da co-evolução entre as plantas com flor e os insectos que as polinizam. Ao longo de milhões de anos a evolução natural consertou as adaptações ajustando-as para uma comunicação mais eficaz e rica entre ambos.

Mas a Natureza não para de nos espantar. Num trabalho publicado na última edição da revista Science  mostra-se que pelo menos um dado tipo de abelhões (Bombus terrestris) é sensível à carga eléctrica, ou ao campo eléctrico, de uma dada flor. E que esta carga eléctrica parece estar associada com o conteúdo em pólen que essa flor possui num dado momento. 




Os investigadores descobriram que depois de uma flor ser visitada por uma abelhão, que lhe retira pólen, a carga eléctrica desta flor altera-se e esta mudança permanece durante alguns minutos. Assim, um outro abelhão, ao se aproximar dessa flor, apercebe-se, provavelmente electrostaticamente, que o conteúdo em pólen é reduzido.

Apesar de toda beleza cromática que apresenta para atrair o insecto, a flor não faz "publicidade enganosa" e comunica ao insecto que não vale a pena, naquele momento, ele nela poisar se ao pólen vem. O abelhão agradece, pois, como em outras actividades, nesta o tempo também é precioso. Para a flor, como também em outros casos, é importante dizer a verdade para que o insecto a ela volte noutra altura de mais abundância polínica.

Para uma abelha um campo de flores não é só um jardim no ultravioleta. Este também está repleto de sensações electroestáticas que tornam a comunicação mais efectiva e rica de significados.

António Piedade

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Descoberta a origem dos raios cósmicos





Os raios cósmicos são constituídos por partículas subatómicas que se deslocam através do espaço a velocidades muito próximas da velocidade da luz. Cerca de 90% deles são protões e atingem a Terra constantemente.

Foram descobertos entre 1911 e 1913 pelo físico austríaco Victor Franz Hess por medições efectuadas com contadores de radiação (contadores geiger) colocados em balões atmosféricos. Hess verificou que a crescente ionização observada a grandes altitudes era devida à acção de uma radiação desconhecida provinda do espaço. Chamou a estas radiações “raios cósmicos” e viria a ganhar o prémio Nobel da Física em 1936 por esta descoberta.





Desde então os astrofísicos postularam que a origem desta radiação proviria do que resta das explosões de estrelas no final das suas vidas, ou seja, das remanescentes de supernovas. Contudo, na viagem através das galáxias estas partículas carregadas dos raios cósmicos sofrem desvios causados pelos campos magnéticos dos astros. Estes desvios nas trajectórias fazem com que seja praticamente impossível detectar a sua origem e assim dificultar a sua associação com uma remanescente de supernova específica.

Agora, foram publicados dois artigos na revista Science que demonstram que as remanescentes de duas supernovas emitiram e aceleram raios cósmicos, resolvendo um mistério centenário.

Um dos artigos foi publicado na edição de 15 de Fevereiro da revista Science (Science,2013; 339 (6121): 807) e relata as observações da remanescente de supernova IC 443 efectuadas pelo Telescópio Espacial Fermi da NASA.


Supernova IC 443 (Créditos NASA/DOE/Fermi LAT Collaboration, NOAO/AURA/NSF, JPL-Caltech/UCLA)


O outro artigo, da autoria de uma equipa de astrónomos europeus, foi publicado na edição avançada online da Science no dia 14 de Fevereiro (Science,2013), e foi o primeiro estudo a utilizar um espetrógrafo de campo integral, instalado no Very Large Telescope, no Chile, do Observatório Europeu do Sul, para analisar os restos da supernova SN 1006.



Supernova SN 1006 (Créditos - Radio: NRAO/AUI/NSF/GBT/VLA/Dyer, Maddalena & Cornwell, X-ray: Chandra X-ray Observatory; NASA/CXC/Rutgers/G. Cassam-Chenaï, J. Hughes et al., Visible light: 0.9-metre Curtis Schmidt optical telescope; NOAO/AURA/NSF/CTIO/Middlebury College/F. Winkler and Digitized Sky Survey.)


Esta supernova brilhante foi observada no ano de 1006 (d. C.) em vários lugares do hemisfério sul da Terra como uma nova estrela nos céus muitas vezes mais brilhante do que o planeta Vénus e podendo mesmo ter rivalizado com a luminosidade da Lua cheia.

Assim, e pela primeira vez, as observações sugerem que a presença de partículas muito rápidas no gás da remanescente de supernova podem ser as percursoras dos raios cósmicos.



António Piedade


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

OUTRAS TERRAS NO UNIVERSO



Quando é que a humanidade se deu conta da existência de planetas? Quando é que a Terra “deixou” de ser o centro do Universo? Quem foi que imaginou pela primeira vez a existência de outros mundos nas estrelas? Como é que sabemos de que é que as estrelas são feitas e a que distância estão de nós? Como e quando foi descoberto o primeiro planeta (exoplaneta) fora do nosso sistema solar? Como é que os astrofísicos descobrem planetas a orbitar as estrelas que vemos no céu? Como é que os cientistas procuram vida nesses exoplanetas distantes?

As respostas a estas e outras perguntas encontram-se no livro “Outras Terras no Universo – uma história da descoberta de novos planetas”, publicado pela editora Gradiva em Novembro de 2012, na colecção Ciência Aberta, com o número 197.


Este livro, que conta a história fascinante da descoberta de planetas, começando com os do nosso próprio sistema solar, está escrito na primeira pessoa do singular, mas também na primeira do plural. Na primeira pessoa, pois um dos autores, o português Nuno Cardoso Santos, investigador do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto e do Observatório Europeu do Sul, um dos reputados astrofísicos mundiais que participam na descoberta de novos planetas, assume a sua individualidade narrativa ao nos apresentar a história e evolução da descoberta dos exoplanetas, numa escrita debruada com suspense e algum mistério, o que nos prende à leitura só por si já cativante.

A narrativa decorre também na primeira pessoa do plural uma vez que os cientistas Luís Tirapicos e Nuno Crato, entusiastas da astronomia e da excelência na divulgação de ciência, compartilham a co-autoria do texto final.

A narrativa guia-nos cronologicamente desde o pensamento grego atomista, até ao espanto e fascínio da descoberta de exoplanetas, mas também da dificuldade da sua investigação. Descreve-nos, várias vezes ao longo do livro, aspectos do método experimental científico, “nuances” das personalidades dos cientistas que modulam as relações entre eles e a apresentação das suas descobertas, os avanços e recuos próprios do conhecimento científico assente em resultados que são alvo do escrutínio e verificação rigorosa pela comunidade científica internacional, resultados dependentes da tecnologia existente numa dada altura e de como os avanços desta permitem descobrir o que antes não era possível, ver o que antes se julgava aí não estar.

O livro é de leitura muito acessível e a informação está apresentada de uma forma clara e rigorosa. Ao longo de 217 páginas agrupadas em 9 capítulos (a saber: A pluralidade dos mundos habitados; A descoberta do sistema solar; Em busca de outros mundos: da teoria às primeiras tentativas; Afinal existem outros planetas?; Outros “sistemas solares”; Trânsitos: um novo olhar sobre os exoplanetas; À procura de outras Terras; Afinal, o que é um planeta?; A possibilidade de vida extraterrestre) o leitor aprende a olhar para o céu de uma forma mais conhecedora, uma vez que esta boa obra de divulgação científica nos informa sobre o conhecimento astrofísico mais recente. A sua leitura, coadjuvada por referências bibliográficas pertinentes, permite-nos compreender melhor o universo de que fazemos parte. Várias e oportunas notas de roda pé dissipam-nos dúvidas, esclarecem ainda mais o texto.

Depois de o lermos, vemos, com a lente do nosso pensamento, as estrelas e os exoplanetas distantes mais próximos de nós, mergulhamos nas atmosferas destes e tacteamos as suas superfícies. É um livro que apela à nossa imaginação sobre a natureza das estrelas mas com os pés bem assentes no chão do conhecimento científico actual e possível.

Os autores sublinham-nos particularidades intrínsecas ao método científico. Como seja a de gerar modelos descritivos e preditivos do universo os quais estão sempre a ser revistos, ajustados ou mesmo rejeitados, perante as evidências de dados novos. É assim que o conhecimento científico avança ajustando-se gradualmente à informação factual que num dado momento possuímos do universo. Os autores também realçam a coragem humilde que existe no reconhecimento do erro, mas também o esforço, a persistência e o rigor presentes no registo de dados tecnicamente de difícil obtenção.

O livro constitui, por fim, um relato actualizado sobre o estado da arte nesta área do conhecimento científico, uma vez que refere descobertas registadas mesmo no final da sua escrita (Agosto de 2012) e investigações em curso no corrente e próximos anos. 

É assim um excelente guia para que possamos descodificar melhor as notícias que nos chegam e sempre chegarão sobre as descobertas que fazemos das estrelas que contemplamos há muitos milhares de anos.

É ainda um livro muito útil e oportuno que ajuda a abordar a temática da descoberta de exoplanetas em ambiente de sala de aula ou de biblioteca escolar.

António Piedade

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

24 Genes associados à miopia


24 genes foram agora associados a problemas da visão devidos a erros refractivos e à miopia.


Trinta por cento da população ocidental e mais de oitenta por cento da população asiática sofre de miopia. Durante a infância e a adolescência os olhos crescem em comprimento. Mas se crescerem demais, acontece que a luz que entra no olho, através da pupila e do cristalino, é focada antes de atingir a retina. Esta recebe assim uma informação luminosa turva e desfocada do mundo exterior, o que caracteriza a miopia.



Apesar da miopia poder ser corrigida através do uso de lentes ou de cirurgias correctivas, o facto de os olhos serem anatomicamente mais longos e a retina mais delgada, potencia outras complicações na saúde da visão, como sejam o descolamento da retina, glaucoma ou degeneração macular, especialmente nos 
casos de miopia elevada.



Num artigo publicado na edição avançada online de dia 10 de Fevereiro da revista Nature Genetics, uma equipa de investigadores do King's College de Londres identifica várias causas genéticas para este desenvolvimento excessivo do olho.

O conhecimento agora revelado pode potenciar o desenvolvimento de melhores tratamentos para a miopia, o seu diagnóstico precoce, assim como identificar outras vias de reduzir ou mesmo de a prevenir no futuro.



Vislumbram-se novos horizontes para uma melhor visão.

António Piedade

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Entrevista sobre "Os Superficiais" de Nicholas Carr na TVI 24









Entrevista no ‘Notícias das 19h’ da TVI24, no dia 09-02-2013, que tem a apresentação do jornalista Pedro Carvalhas e a edição do jornalista Luís Calvo, sobre o livro "Os Superficiais - O que é que a Internet está a fazer aos nossos cérebros" de Nicholas Carr, publicado pela Gradiva.




terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Insuficiência de vitamina D pode aumentar os riscos para a Diabetes Tipo 1




Manter níveis adequados de vitamina D antes da idade adulta pode reduzir em 50% o risco de desenvolver diabetes do tipo 1 em adultos.

Este resultado vai ao encontro de estudos anteriores realizados na Finlândia, publicados na prestigiada revista The Lancet em 2001, nos quais se tinha verificado um efeito preventivo de suplementos de vitamina D em crianças para o não desenvolvimento de diabetes tipo 1.

Apesar de serem necessários mais estudos epidemiológicos e bioquímicos, esta nova investigação realça a importância da presença de vitamina D na dieta como forma de prevenir que essa doença autoimune se desenvolva na vida adulta.

O estudo aqui em referência foi publicado na edição online do dia 3 de Fevereiro da revista American Journal of Epidemiology e será publicado na edição impressa de 1 de Março de 2013.

“É surpreendente que uma doença gravíssima, tal como é a da diabetes tipo 1, possa ser prevenida provavelmente só através de uma intervenção simples e segura”, afirmou Kassandra Munger autor principal do estudo e investigador da Harvard School of Public Health.

A diabetes do tipo 1 é caracterizada pela insuficiente (ou mesmo inexistente) produção de insulina pelo pâncreas, devido à destruição das células (mais exactamente as células beta dos ilhéus de Langerhans pancreáticos) que a produzem, pelo sistema imunitário do próprio (destruição autoimune).




Os doentes de diabetes tipo 1 são, assim, insulino-dependentes. Ou seja, para poderem manter níveis fisiológicos normais de glicose no sangue têm de receber insulina através de injecções cutâneas. Apesar de se poder desenvolver em qualquer idade, a diabetes tipo 1 é mais comum em crianças, adolescentes e 
adultos jovens.

Já se sabia de outros estudos que a vitamina D influencia a produção de insulina, mas estas novas investigações vêm indicar que esta vitamina pode ter um papel de protecção contra o “ataque” autoimune. Aliás, a deficiência nos níveis de vitamina D no corpo têm sido associada a um risco aumentado para o desenvolvimento de várias doenças autoimunes.



A vitamina D, ou calciferol, é necessária para a normal absorção de cálcio pelas células após exposição solar, e é essencial para o desenvolvimento normal dos ossos e dentes. É uma vitamina lipossolúvel (solúvel em gorduras) obtida a partir do colesterol que é o seu precursor metabólico.


António Piedade



Referência do artigo:
"Preclinical Serum 25-Hydroxyvitamin D Levels and Risk of Type 1 Diabetes in a Cohort of U.S. Military Personnel," Kassandra L. Munger, Lynn I. Levin, Jennifer Massa, Ronald Horst, Tihamer Orban, and Alberto Ascherio,American Journal of Epidemiology: online February 3, 2013; March 1, 2013 print edition.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O Amor na Matemática


a partir do post do melhor Blogue de Ciência português de 2012: AstroPT

http://astropt.org/blog/2013/02/04/a-formula-do-amor/


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Qual será a próxima substância anti-envelhecimento?



Cheira a ovos podres. Sabe qual é o gás responsável por esse odor? O sulfureto ou sulfeto de hidrogénio cuja fórmula química é H2S. De facto, à temperatura ambiente, e à pressão de uma atmosfera, apresenta-se no estado gasoso. A sua dissolução em água dá origem ao ácido sulfídrico. É um composto corrosivo e, dependendo da sua concentração, é venenoso.

Dependendo da sua concentração. Como tudo, já dizia Paracelso, tudo pode ser um veneno dependendo da sua quantidade. E no caso do H2S o mesmo acontece. É que esta molécula parece estar envolvida, em pequenas quantidades, em processos naturais de manutenção do estado de saúde. Sabe-se hoje que o corpo humano sintetiza H2S. E se o faz é porque dele precisa para alguma coisa.

Num artigo de revisão publicado on line na edição avançada da revista Molecular and Cellular Biology uma equipa de investigadores chineses faz o ponto da situação sobre o que se sabe e compreende sobre o envolvimento do H2S em inúmeros processos fisiológicos no corpo humano.

Uma dos aspectos salientados no artigo é o de esta molécula ter vindo a ganhar a atenção dos investigadores de diversas áreas da biologia celular e da saúde a nível mundial, pela sua acção enquanto mensageiro químico e sinalizador inter e intra celular com efeitos efectivos sobre os sistemas cardiovascular e nervoso.

Segundo os autores, o sulfeto de hidrogénio parece desempenhar uma ampla gama de papéis principais em processos ligados ao envelhecimento e em doenças associadas com este como seja a doença de Alzheimer.

Os investigadores também salientam a sua influência nas vias anti-oxidantes, anti radicais livres, existentes nas células, participando na complexa regulação da concentração destes agentes que, sabemos, causam danos nas estruturas celulares e logo, envelhecimento.

Segundo Z.-S. Jiang, o investigador principal do artigo, “os dados conhecidos e disponíveis actualmente sugerem fortemente que o H2S pode tornar-se muito em breve o próximo agente potente para prevenir e retardar os sintomas do envelhecimento e das doenças com ele relacionadas (de que as cardiovasculares são uma das principais). 

"Num futuro próximo", conclui, "poderá haver uma mudança de paradigma na indústria farmacêutica e cosmética: em vez de anti-oxidantes as pessoas poderão começar a tomar H2S através da comida ou em suplementos “anti-envelhecimento”.

(Aliás, é crescente o número de artigos científicos que mostram o quanto mal fazem os suplementos e sobrecargas vitamínicas em excesso, assim como os inúmeros cremes anti-envelhecimento). 




Referência do artigo em destaque:
Y. Zhang, Z.-H. Tang, Z.-R., S.L. Qu, M.-H. Liu, L.-S. Liu, Z.-S. Jiang, 2013. Hydrogen sulfide: the next potent preventive and therapeutic agent in aging and age-associated diseases. Mol. Cell. Bio. Online ahead of print, 7 January 2013, doi:10.1128/MCB.01215-12

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Ondas gigantes e o canhão submarino da Nazaré



Já se imaginou a surfar uma onda com 30 metros na costa portuguesa?

As maiores ondas oceânicas, em altura, ao longo de toda a costa portuguesa verificam-se, de forma mais majestosa e frequentemente, na região definida pela Praia do Norte, na vila da Nazaré. Importa dizer que a física das ondas é matéria complexa, pela influência de inúmeros factores como sejam, entre outros, a temperatura e salinidade das águas à superfície e no fundo marinho, amplitudes das marés, correntes marítimas, riqueza e diversidade da biomassa (algas, plâncton, etc.) que reduz a tensão superficial da água, o contexto geológico e oceanográfico. Neste último caso, o imponente Canhão Submarino da Nazaré, um dos maiores do mundo, desempenha um papel decisivo na circulação regional das massas de água e sedimentos e, logo, influência a formação de ondas.

O investigador Luís Quaresma dos Santos, autor da tese “Observação De Ondas Internas Não-Lineares Geradas Sobre O Canhão Submarino Da Nazaré” (2006, Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) caracteriza assim o gigantesco acidente geográfico submarino: “De entre uma dezena de canhões existentes na margem continental portuguesa, o da Nazaré é sem dúvida o mais imponente. Para além de ser um dos maiores do mundo, ele rasga por completo a plataforma continental, perpendicularmente à costa, e estende-se por mais de 220 km. A Norte do canhão a plataforma é estreita (40-50 km) e plana, com um declive médio da ordem de 0.3 %. A Sul do canhão a plataforma torna-se ainda mais estreita e menos profunda, apresentando-se confinada pelo Cabo Carvoeiro (Peniche) e as Ilhas das Berlengas”.

Devido à configuração do Canhão, “observa-se a propagação de uma maré interna de grande amplitude ao longo do seu domínio interno, assim como uma redução da amplitude da maré junto da costa da Nazaré”, descreve aquele investigador. Este trabalho pioneiro sobre o canhão, caracterizou pela primeira vez a propagação de ondas internas solitárias não-lineares (C-NIWs) sobre a plataforma continental média, a Norte do canhão submarino da Nazaré. O próprio canhão parece desempenhar um papel condutor destas ondas, que se “distinguem das restantes por uma amplitude superior (alcançando os 30 m) e pela indução de pulsos de corrente com maior intensidade junto ao fundo (0,1-0,2 m/s)”. As ondas, designadas por solitões, “são observadas em grupo ou trens de onda. No Canhão da Nazaré os trens C-NIWs são constituídos por duas a três ondas, com períodos de 5 a 10 minutos e amplitudes de 10 a 30 m. Ocorrem predominantemente “entre o fim da Primavera e o início do Outono, acompanhando o aparecimento de um termoclina sazonal”, pelo que esta altura é propícia à formação das ondas de grande amplitude e período, um grande potencial a esta zona costeira para a prática da modalidade de surf “tow-in” em ondas gigantes.

E foi neste contexto ondulatório que o surfista havaiano Garret McNamara conseguiu entrar para o Guiness Book of Records, ao surfar uma onda com cerca de 30 metros de altura na zona da costa conhecida como Norte do Canhão, no dia 1 de Novembro de 2011.

Desde então, as ondas gigantes que se formam no Canhão da Nazaré passaram a ser alvo de atracção mundial e o sonho de muitos surfistas.

António Piedade

domingo, 27 de janeiro de 2013

Os superficiais - O que a internet está a fazer aos nossos cérebros




Palestra "Os superficiais - O que a internet está a fazer aos nossos cérebros"

por António Piedade

CASA DA ESCRITA - Coimbra| 29 de janeiro | 10h30

Entrada livre

"Quais as influências e consequências que a tecnologia subjacente à internet tem sobre a forma como estamos a moldar a nossa aprendizagem e a estruturar a nossa maneira de pensar?", é uma das perguntas a considerar. Apesar de abrangente, esta questão resume o objectivo da palestra: a partir do livro - com o mesmo título da palestra - da autoria de Nicholas Carr (livro finalista do prémio Pulitzer e publicado ebtre nós pela Gradiva ), propõe-se uma reflexão e discussão numa abordagem ao actual pensamento "distraído" e "superficial" que as novas tecnologias da informação baseadas na internet parecem estar a causar aos seus utilizadores.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

UM MUNDO IMAGINADO, MAS MUITO REAL





Em 1988, vivi de forma intensa e maravilhado “um mundo imaginado”. Uma experiência real de investigação científica através de um livro, com aquele título, então publicado na língua portuguesa pela Gradiva, editora que me ensinou a caminhar na ciência.

Linha após linha, página após página, eu, então jovem estudante de Bioquímica na Universidade de Coimbra, vivi 5 anos de uma história real e intensa de descoberta científica, num só fôlego, numa noite que se fez dia inúmeras vezes. 

Vivi, através do relato rigoroso e apaixonado de June Goodfield, autora do livro, os dias e as noites sem horário, a entrega persistente e lúcida, os avanços e retrocessos, os obstáculos e os recuos, a alegria e o desespero silencioso do processo científico efectuado sob a linha do desconhecido por uma promissora cientista portuguesa a trabalhar nos Estados Unidos. 

A cientista era a Bióloga Maria de Sousa, Professora Catedrática de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Jubilada em Outubro de 2009 (ver aqui vídeo da sua última aula) e agora homenageada pela Universidade de Coimbra com a atribuição do prémio desta instituição. Sublinho uma das inúmeras frases de referência que, nessa sua aula de jubilação, Maria de Sousa proferiu ao dizer, cito de cor, que ao longo da sua carreira só fez aquilo que sabia fazer: trabalhar!

A investigação em causa, uma caminhada árdua de cinco anos no Cornell Medical College, em Nova Iorque, na segunda metade da década de 70 do século passado e que produziu uma grande descoberta relacionada com o sistema imunitário, mais especificamente com o Linfoma de Hodgkin.

Mais do que um relato é um retrato vivo, com molduras que se abrem em novos quadros a cada obstáculo ultrapassado, com nevoeiros densos a dificultar a leitura de algumas derrotas, de becos aparentes que pareciam esfumaçar, com o folhear de uma página, anos de trabalho árduo.

Nesta hora de homenagem e reconhecimento da Universidade de Coimbra a esta sempre discreta mas incontornável referência do melhor da investigação científica, na sua área a nível mundial, realço a qualidade da sua dedicação ao trabalho científico, as descobertas que fizeram e fazem escola e que aparecem agora facilitados no tempo pela excelência da sua pessoa humana. 

A enormidade da discrição enquanto pessoa contrasta abismalmente com a importância incontornável do seu trabalho científico. De referir que Maria Sousa produziu, desde 1960, artigos científicos cruciais à definição da estrutura funcional dos órgãos que constituem o sistema imunológico, descobrindo em 1971, um fenómeno que pode ser descrito pela capacidade de células imunitárias de diferentes origens migrarem e se organizarem em áreas bem determinadas dos órgãos linfóides periféricos, processo celular que designou e é conhecido por “ecotaxis”. Foi e é pioneiro o seu trabalho sobre a importância da homeostase do ferro no organismo e a relação das suas perturbações com várias patologias.



No capítulo da divulgação de ciência e da formação sobre o que é o dia-a-dia de quem faz ciência, deveria ser obrigatório ler este “Mundo Imaginado”, apesar de esgotado no editor (de June Goodfield, Gradiva, coleccção Ciência Aberta nº 9), para mim, e para muitos, um dos melhores livros sobre ciência e talvez o melhor sobre ciência em acção directa. 

Para progredirmos temos de aprender com os exemplos dos melhores, independentemente da sua área. E no panorama da realização científica portuguesa das últimas décadas Maria de Sousa é incontornável. Ou, como ela com certeza corrigiria, o seu trabalho é que é incontornável.

António Piedade