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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A DESCOBERTA DO ADN



A sigla ADN ultrapassou as fronteiras da genética e da biologia molecular e é hoje vulgar ouvirmos referências ao ADN nos órgãos de comunicação social a propósito das questões mais diversas.

O ADN, ácido desoxirribonucleico, molécula da hereditariedade, imprime iconicamente uma dupla hélice no nosso olhar. É assim desde que Watson e Crick propuseram, em 1953, esse modelo helicoidal para a biomolécula dos genes. Como acontece com tudo na vida, a forma estrutural tem em si mesma significado funcional. A revolução científica que esta descoberta causou na biologia e na medicina, faz com que ela se confunda com a descoberta da molécula ADN.

De facto, a substância ADN foi descoberta muito antes. Em 1869, o suíço Johann Friedrich Miescher (1844-1895) identificou uma nova substância ao analisar o conteúdo dos núcleos celulares dos glóbulos brancos. Essa substância era ácida e continha na sua composição fósforo, um elemento ausente nas proteínas. À nova substância, que não tinha propriedades proteicas, Miescher deu o nome de nucleína.

Note-se que esta descoberta é efectuada numa época rica em revoluções na Biologia: em 1859, Darwin publica "A Origem das Espécies"; em 1865, Schwann e Scheiden postulam a teoria celular; ainda em 1865, Mendel publica o seu artigo sobre a hereditariedade, apesar de o mesmo ter tido pouca divulgação ou consideração.

Há alguns factos curiosos ao redor da descoberta do ADN, assim como sobre o seu descobridor.
Miescher formou-se em medicina na Universidade de Basileia. Contudo, uma surdez impediu-o de exercer medicina e optou por seguir uma carreira científica, influenciado pelo seu tio, professor de química fisiológica (hoje diríamos bioquímica) naquela universidade. A sua incapacidade auditiva não o impediu de ser um investigador com uma visão acutilante para os problemas científicos na sua área. De facto a sua descoberta teve implicações na biologia, na genética, na medicina, muito além daquilo que ele poderia suspeitar na época em que viveu.

Miescher começou a sua carreira de investigação no laboratório de Felix Hoppe-Seyler (1825-1895), um dos mais prestigiados bioquímicos da época, que identificou e caracterizou a hemoglobina, entre outras proteínas. Situado no castelo de Tübingen, o laboratório ocupava as instalações de uma antiga lavandaria. A investigação nesse laboratório envolvia a identificação e caracterização do conteúdo proteico das células. Pensava-se que, uma vez identificadas todas as proteínas, se poderia compreender o funcionamento molecular da vida assim como a sua hereditariedade.

Miescher começou, assim, a explorar as proteínas no citoplasma de glóbulos brancos que obtinha a partir do pus retido em ligaduras de feridas provenientes de um hospital vizinho. Para que o material biológico não se degradasse, mantinha a janela do laboratório aberta, o que fazia com que a temperatura de trabalho rondasse os 5 graus Celsius durante o Inverno!

Apesar da sua persistência metodológica, cedo percebeu que existiam muitas mais proteínas no citoplasma dos glóbulos brancos do que aquelas que as técnicas analíticas de então permitiam identificar. Influenciado pelo eventual papel do núcleo na hereditariedade, uma ideia nova para a época, desenvolveu os protocolos necessários para isolar esse organelo celular e proceder à análise da sua composição.

É então que Miescher verifica que está perante uma substância desconhecida à época, como já se disse. A estranheza por o núcleo não ser constituído maioritariamente por proteínas, levou a que o Hoppe-Seyler duvidasse dos resultados e obrigasse Miescher e outros investigadores a repetir a caracterização inúmeras vezes. Só em 1971, dois anos após a descoberta, é que Miescher publicaria os seus resultados numa revista científica.

Ao longo da sua carreira científica, Miescher convenceu-se de que a nucleína não poderia ser a molécula responsável pela transmissão de caracteres hereditários e de que não estava envolvida na fecundação. Ademais, considerava que a nucleína deveria ser, devido ao seu enorme peso molecular, um repositório de matéria para a síntese de outras moléculas necessárias à vida.

A composição aparentemente monótona da nucleína (mais tarde rebaptizada por ácido desoxirribonucleico, ou ADN) contrastava com a diversidade incontável das proteínas. E, à falta de outras evidências experimentais, os genes não poderiam ser feitos de uma substância tão pouco diversa, teriam de ser constituídos por proteínas. Esta ideia persistiu durante mais de 70 anos, até meados da década de 40 do século XX, altura em que ficou demonstrada experimentalmente que o ADN é a molécula dos genes. 

António Piedade

domingo, 3 de novembro de 2013

A BIOQUÍMICA EM 4D

HIV in Blood Serum © David S. Goodsell 1999 



O número de células fotossensíveis (cones e bastonetes) que existem na retina do olho humano, cerca de 125 milhões, representa algo como 75 % do conjunto de todas as células que, em diferentes tecidos, estão envolvidas em processos sensoriais! Isto é uma evidência da importância que a percepção visual teve para a sobrevivência e evolução das espécies que nos deram origem e nos antecederam ao longo de milhões de translações terráqueas.

Eco funcional deste investimento na percepção visual do que nos rodeia, é o podermos antever, á distância, uma situação de perigo, um trilho na floresta densa, um fruto maduro cujo valor nutritivo compensa o esforço de nos deslocarmos para o ir comer. Não me admiraria se esta capacidade em antever pudesse ter sido força motriz ou antecâmara do pensamento ou, mais seguramente, na estruturação neuronal de um movimento.

Maior do que a sensação táctil da união das extremidades dos dedos polegar e indicador deve ter sido a sensação visual e antevisão da vantagem da oponibilidade, da precisão dos movimentos finos.

O método científico tem nele intrínseco, como parte integrante, a observação (visual) da natureza, dos resultados experimentais. De facto, quer na famosa experiencia da queda dos graves de Galileu em 1589 (na qual os observadores viram que os dois corpos com massas diferentes, largados ao mesmo tempo e da mesma altura, chegaram ao solo ao mesmo tempo), quer na descoberta das bactérias através do microscópio óptico por Antoine van Leeuwenhoek (em 1668), a visualização foi determinante para a verificação de uma hipótese, para a descoberta da ainda hoje unidade fundamental da biologia, a célula.

De facto, o desenvolvimento de tecnologia de visualização detalhada mudou a nossa percepção sobre como a natureza está estruturada e permitiu-nos entender inúmeros processos biológicos. Ao longo do século passado, a aplicação do conhecimento da dualidade partícula onda e de como a radiação electromagnética interage com a matéria permitiu o desenvolvimento de diversas técnicas de imagiologia, como sejam a radiologia convencional, a ecografia, a tomografia axial computorizada (TAC), a ressonância magnética (RM), etc.,  auxiliares incontornáveis ao diagnóstico médico. 

Mas esse conhecimento permitiu descobrir a arquitectura intracelular (microscópio electrónico, microscopia de fluorescência, microscopia de força atómica, etc.), a organização de miríades de interacções biomoleculares e estabelecer que a estrutura tridimensional das biomoléculas (cristalografia por difracção de raios X, Ressonância Magnética Nuclear, etc.) condiciona e determina a sua função, directriz estruturante do pensamento bioquímico. Na realidade, a Bioquímica estuda a interacção e a dinâmica entre moléculas numa perspectiva tridimensional e ao longo do tempo. Ou seja, é 4D tal como a vida!

Recordemos os trabalhos de Linus Pauling, Watson, Crick e Rosalin Franklin e tantos outros que, a partir dos estudos da interacção da radiação com cristais de proteínas e ácidos nucleicos, não só determinaram as respectivas estruturas tridimensionais (estrutura em hélice alfa das proteínas, estrutura em dupla hélice do ADN) assim como estabeleceram os mecanismos das suas funções biológicas. Mostraram que sem o conhecimento detalhado da estrutura é muito improvável que consigamos entender os processos bioquímicos e a dinâmica intrínseca à vida.

Os avanços na electrónica, ocorridos principalmente desde o último quartel do século XX, permitiram o desenvolvimento de tecnologias de visualização estrutural mais precisas, com menos ruído de fundo, logo mais detalhadas e sobreponíveis a uma realidade com dimensões nanometricas. Assistimos ao aparecimento e divulgação de equipamentos de imagem que fornecem informação tridimensional de amostras biológicas. Algumas, como a microscopia electrónica de varrimento (SEM), a de força atómica (AFM), a de efeito de túnel (STM) ou a microscopia de fluorescência confocal, permitem inclusive a obtenção de sequências cronológicas de imagens sub-microscópicas, permitindo a reconstrução, a posteriori, de fenómenos à escala bioquímica.

Paralelamente, os avanços nas aplicações tecnológicas das propriedades dos semicondutores, com o concomitante incremento na habilidade em miniaturizar, tem feito imergir exponencialmente uma capacidade e velocidade de cálculo impressionante nos processadores integrados nas máquinas conhecidas por computadores. Isto permitiu o desenvolvimento e rápida disseminação de excelentes softwares de tratamento de imagem, de modelação 3D, de simulação de interacções moleculares.

Esta convergência no desenvolvimento científico e tecnológico pluridisciplinar fez explodir miríades de representações visuais de um há muito anunciado mundo novo.

Passaram a ser familiares e comuns as imagens tridimensionais de proteínas no Protein Data Bank, assim como os desenhos perspectivados na aguarela de David Goodsell nas moléculas do mês. Pura arte molecular! Não menos relevante é o seu trabalho, actualizado na última edição do seu livro “Machinery of Life” (2009), em que utiliza a sua arte pictórica e o seu conhecimento bioquímico para nos apresentar instantes de um mundo biomolecular sempre em hora de ponta!

Por outro lado, a simulação molecular com parâmetros e ajustes que cada vez se aproximam mais das condições naturais, não só tem galvanizado o conhecimento, por exemplo, das interacções proteína-ligando (“docking”), como tem permitido o rápido desenvolvimento de novos fármacos o que torna viável a aproximação “from bench to bed side” apanágio da medicina e investigação translacional, ruptura epistemológica do século XXI. Ainda desta perspectiva, a simulação molecular permite validar modelos 3D da realidade nanoscópica e, assim, permitir a produção de filmes totalmente 3D e em estereoscopia que se transformam em potenciais e revolucionários instrumentos para o ensino das ciências da saúde e da vida.
Até porque é preciso uma grande capacidade de abstracção e visualização espacial para conseguir aprender estruturas e relações que só funcionam devido à sua evolução tridimensional, no espaço e no tempo, em suportes bidimensionais em que a evolução temporal exige o virar de uma página.


Ainda não sabemos medir ou prever o impacto que a visualização 3D animada e estereoscópica (4D) dos processos bioquímicos causará sobre a nossa capacidade em apreender mais intuitivamente. Mas sabemos que já é uma realidade e que está para ficar e se desenvolver na aurora deste século novo.

António Piedade


quinta-feira, 7 de março de 2013

O sal aumenta o risco de doenças autoimunes




Foi descoberta uma relação entre o excesso de sal na alimentação e o aumento de células do sistema imunitário envolvidas em doenças autoimunes como a esclerose múltipla, a diabetes tipo 1, a psoríase, entre outras.

Os sais são essenciais à vida. Mas, como com quase tudo o resto, o excesso deles pode arrastar a vida para a doença e eventual morte. É o que sucede com o excesso do sal de cozinha na nossa alimentação. O cloreto de sódio (símbolo químico NaCl) está presente nos oceanos das nossas descobertas marítimas em cerca de 3,5% da sua composição em peso (ou seja, existem cerca de 35 g num litro de mar). No nosso corpo (um adulto com 60 kg tem cerca de 150 g de NaCl no seu corpo). os iões que o compõem são essenciais para o funcionamento, por exemplo, do sistema nervoso, participando na geração dos impulsos nervosos.

Há sempre sal no nosso pensamento, nos nossos sonhos, nas nossas emoções e afectos. As lágrimas sabem a sal.

Para manter o NaCl que necessitamos no nosso corpo, a Organização Mundial da Saúde indica que devemos ingerir menos de 5 g daquele sal por dia. O consumo de cerca de 2 g de NaCl (presente já em vários alimentos sem que seja necessário mais adições) é considerado saudável).


Cristais de NaCl


Há muito que se sabe que o seu excesso de sal na alimentação é prejudicial à saúde. Desde há pelo menos décadas que o excesso de NaCl está associado a um risco significativamente maior no desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

Agora foi descoberto que este mesmo sal está envolvido em determinadas em vias metabólicas, na regulação e maturação de células específicas do nosso sistema imunitário: linfócitos Th17.

Em três artigos (ver aqui, aqui e aqui) publicados no dia 6 de Março na edição online da revista Nature, investigadores das Universidades de Yale, de Harvard, de vários centros hospitalares nos Estados Unidos da América do Norte e na Alemanha, demonstram que a presença em excesso e continuada daquele sal no organismo tem como consequência uma híperestimulação na maturação e activação dos linfócitos Th17.


Imagem de um linfócito T rodeado de glóbulos vermelhos.


Se por um lado estas importantes células do nosso sistema imunitário nos protegem contra microrganismos invasores e causadores de doenças, a sua actividade está também associada a doenças autoimunes (em que células do próprio organismo são por elas “atacadas” e destruídas). Entre estas doenças encontram-se a esclerose múltipla, a diabetes do tipo 1, a doença inflamatória do intestino, alguns tipos de psoríase.

Os investigadores destes estudos identificaram que as pessoas que comem regularmente “fast food” (geralmente contendo quantidades generosas de sal) possuem quantidades significativamente maiores de células Th17 activas. Descobriram ainda que a presença de excesso de sal estimula estas células a produzirem e libertarem substâncias que provocam inflamações (como a interleucina 17).

Estes estudos constituem um forte sinal de alerta para os efeitos tremendamente nocivos entre uma alimentação com excesso de sal e o estado geral de saúde, aumentando significativamente os factores de risco associados com o desenvolvimento ou agravamento doenças autoimunes.

Assim, reduza o sal na sua alimentação. Verá que a sua vida ganhará outro sal!

António Piedade

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Dia Mundial das Doenças Raras




Um espirro anuncia a constipação. Também sintoma de uma gripe que por vezes se diz comum. Estas constipações e gripes são aflições nada raras ao longo de todo o ano e a maior parte de nós já com elas conviveu pelo menos uma vez na história das nossas vidas.

Contrariamente as estas e outras doenças sazonais, “passageiras” e comuns à maioria dos seres humanos, há um conjunto de doenças genéticas que acompanham e afectam gravemente a vida dos seus portadores: as doenças raras. Este ano o Dia Mundial das Doenças Raras celebra-se a 28 de Fevereiro.

Passou mais de uma década depois da descodificação do Genoma Humano. O mapeamento completo dos cerca de 20 mil genes humanos foi apresentado em conferência de imprensa a nível mundial a 14 de Abril de 2003. Um ano antes, foi fundada em Portugal a Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras - “Raríssimas”, mais precisamente a 12 de Abril de 2002.

Na União Europeia, consideram-se doenças raras as que têm uma prevalência inferior a 5 em 10000 pessoas. São conhecidas cerca de sete mil doenças raras, mas estima-se que existam mais, afectando, no seu conjunto até 6% da população, o que significa que atingem 40 milhões de pessoas na Europa e que existirão até 600 mil pessoas com estas patologias em Portugal. São doenças crónicas, graves e degenerativas que diminuem muito a qualidade de vida dos por elas afectados.
Uma lista de algumas doenças raras já diagnosticadas pode ser consultada aqui.

O mapeamento completo do Genoma Humano tem permitido compreender melhor os mecanismos moleculares que estão na origem de inúmeras doenças genéticas, muitas delas doenças raras, para as quais não se vislumbravam quaisquer curas e/ou tratamentos adequados antes do Projecto do Genoma Humano ter sido completado. Mas há ainda muito para fazer e compreender em cada ser humano com o seu específico fenótipo bioquímico.

O desenvolvimento de uma farmacogenómica dedicada à compreensão da base genética e metabólica das doenças, só possível depois do mapeamento do genoma e desenvolvimento e progressiva compreensão do proteoma e metaboloma humanos, veio desvendar novos horizontes tecnicamente exequíveis para as doenças raras, para os metabolismos extremos e externos ao território clássico das ciências farmacêuticas.

As doenças raras, também conhecidas por “doenças órfãs”, relegadas para os extremos das distribuições estatísticas gaussianas de susceptibilidade a doenças e interacções farmacológicas, ganharam novas e renovadas esperanças: a de ser possível antecipar o seu diagnóstico (inclusive pré-natal ou mesmo pré-concepcional) e eventualmente alterar radicalmente a história de vida de uma pessoa em particular; a de ser possível a compreensão do mecanismo molecular da doença e assim identificar alvos para o desenvolvimento de promissoras estratégias farmacológicas; o desenvolvimento de novos fármacos desenhados e ajustados à especificidade de um indivíduo em particular, eventualmente menos dispendiosos para todos os agentes envolvidos.

A atenção e os esforços sociais em relação aos portadores de uma dada doença designada por rara são sinónimos dos avanços civilizacionais em que a humanidade é substância, em que cada um tem direito a ter a melhor qualidade de vida com dignidade independente das suas especificidades e diferenças.

Aqueles que noutras eras não conseguiriam sobreviver à nascença, têm hoje a possibilidade de partilhar a sua individualidade com a sociedade de que também fazem parte, e enriquecer, com a sua raridade, nós todos, comuns mortais.

António Piedade



Legenda Figura: A Progéria tem origem em um único e pequeno defeito no código genético do bebé, mas tem efeitos terríveis para a vida da criança que geralmente não chega aos 13 anos de idade.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Insuficiência de vitamina D pode aumentar os riscos para a Diabetes Tipo 1




Manter níveis adequados de vitamina D antes da idade adulta pode reduzir em 50% o risco de desenvolver diabetes do tipo 1 em adultos.

Este resultado vai ao encontro de estudos anteriores realizados na Finlândia, publicados na prestigiada revista The Lancet em 2001, nos quais se tinha verificado um efeito preventivo de suplementos de vitamina D em crianças para o não desenvolvimento de diabetes tipo 1.

Apesar de serem necessários mais estudos epidemiológicos e bioquímicos, esta nova investigação realça a importância da presença de vitamina D na dieta como forma de prevenir que essa doença autoimune se desenvolva na vida adulta.

O estudo aqui em referência foi publicado na edição online do dia 3 de Fevereiro da revista American Journal of Epidemiology e será publicado na edição impressa de 1 de Março de 2013.

“É surpreendente que uma doença gravíssima, tal como é a da diabetes tipo 1, possa ser prevenida provavelmente só através de uma intervenção simples e segura”, afirmou Kassandra Munger autor principal do estudo e investigador da Harvard School of Public Health.

A diabetes do tipo 1 é caracterizada pela insuficiente (ou mesmo inexistente) produção de insulina pelo pâncreas, devido à destruição das células (mais exactamente as células beta dos ilhéus de Langerhans pancreáticos) que a produzem, pelo sistema imunitário do próprio (destruição autoimune).




Os doentes de diabetes tipo 1 são, assim, insulino-dependentes. Ou seja, para poderem manter níveis fisiológicos normais de glicose no sangue têm de receber insulina através de injecções cutâneas. Apesar de se poder desenvolver em qualquer idade, a diabetes tipo 1 é mais comum em crianças, adolescentes e 
adultos jovens.

Já se sabia de outros estudos que a vitamina D influencia a produção de insulina, mas estas novas investigações vêm indicar que esta vitamina pode ter um papel de protecção contra o “ataque” autoimune. Aliás, a deficiência nos níveis de vitamina D no corpo têm sido associada a um risco aumentado para o desenvolvimento de várias doenças autoimunes.



A vitamina D, ou calciferol, é necessária para a normal absorção de cálcio pelas células após exposição solar, e é essencial para o desenvolvimento normal dos ossos e dentes. É uma vitamina lipossolúvel (solúvel em gorduras) obtida a partir do colesterol que é o seu precursor metabólico.


António Piedade



Referência do artigo:
"Preclinical Serum 25-Hydroxyvitamin D Levels and Risk of Type 1 Diabetes in a Cohort of U.S. Military Personnel," Kassandra L. Munger, Lynn I. Levin, Jennifer Massa, Ronald Horst, Tihamer Orban, and Alberto Ascherio,American Journal of Epidemiology: online February 3, 2013; March 1, 2013 print edition.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Qual será a próxima substância anti-envelhecimento?



Cheira a ovos podres. Sabe qual é o gás responsável por esse odor? O sulfureto ou sulfeto de hidrogénio cuja fórmula química é H2S. De facto, à temperatura ambiente, e à pressão de uma atmosfera, apresenta-se no estado gasoso. A sua dissolução em água dá origem ao ácido sulfídrico. É um composto corrosivo e, dependendo da sua concentração, é venenoso.

Dependendo da sua concentração. Como tudo, já dizia Paracelso, tudo pode ser um veneno dependendo da sua quantidade. E no caso do H2S o mesmo acontece. É que esta molécula parece estar envolvida, em pequenas quantidades, em processos naturais de manutenção do estado de saúde. Sabe-se hoje que o corpo humano sintetiza H2S. E se o faz é porque dele precisa para alguma coisa.

Num artigo de revisão publicado on line na edição avançada da revista Molecular and Cellular Biology uma equipa de investigadores chineses faz o ponto da situação sobre o que se sabe e compreende sobre o envolvimento do H2S em inúmeros processos fisiológicos no corpo humano.

Uma dos aspectos salientados no artigo é o de esta molécula ter vindo a ganhar a atenção dos investigadores de diversas áreas da biologia celular e da saúde a nível mundial, pela sua acção enquanto mensageiro químico e sinalizador inter e intra celular com efeitos efectivos sobre os sistemas cardiovascular e nervoso.

Segundo os autores, o sulfeto de hidrogénio parece desempenhar uma ampla gama de papéis principais em processos ligados ao envelhecimento e em doenças associadas com este como seja a doença de Alzheimer.

Os investigadores também salientam a sua influência nas vias anti-oxidantes, anti radicais livres, existentes nas células, participando na complexa regulação da concentração destes agentes que, sabemos, causam danos nas estruturas celulares e logo, envelhecimento.

Segundo Z.-S. Jiang, o investigador principal do artigo, “os dados conhecidos e disponíveis actualmente sugerem fortemente que o H2S pode tornar-se muito em breve o próximo agente potente para prevenir e retardar os sintomas do envelhecimento e das doenças com ele relacionadas (de que as cardiovasculares são uma das principais). 

"Num futuro próximo", conclui, "poderá haver uma mudança de paradigma na indústria farmacêutica e cosmética: em vez de anti-oxidantes as pessoas poderão começar a tomar H2S através da comida ou em suplementos “anti-envelhecimento”.

(Aliás, é crescente o número de artigos científicos que mostram o quanto mal fazem os suplementos e sobrecargas vitamínicas em excesso, assim como os inúmeros cremes anti-envelhecimento). 




Referência do artigo em destaque:
Y. Zhang, Z.-H. Tang, Z.-R., S.L. Qu, M.-H. Liu, L.-S. Liu, Z.-S. Jiang, 2013. Hydrogen sulfide: the next potent preventive and therapeutic agent in aging and age-associated diseases. Mol. Cell. Bio. Online ahead of print, 7 January 2013, doi:10.1128/MCB.01215-12

Medicamento para a disfunção eréctil também beneficia a ejaculação e o orgasmo




Um novo estudo clínico investigou os efeitos do fármaco CIALIS®, cujo princípio activo é a molécula tadalafil, em pacientes com disfunção eréctil (DE). Através de uma meta análise de 17 ensaios duplo-cego cruzados, com controlo de placebo, os resultados indicaram que, para além da sua acção no tratamento DE, aquele fármaco possui "efeitos secundários", neste caso considerados como benéficos, e que se traduzem muna facilitação da ejaculação e numa potenciação do orgasmo.

O artigo foi publicado na edição de Fevereiro de 2013 da revista British Journal of UrologyInternational. Os autores do estudo chamam a atenção que serão necessários mais estudos clínicos para se verificar se estes efeitos também se veirificam em homens que não sofram de disfunção eréctil.

Segundo o autor principal do estudo, Darius Paduch, um especialista em urologia e medicina sexual masculina no Weil Cornell Medical Colege em Nova Iorque, “existem muitos homens que têm, pelo menos, problemas ligeiros para atingir a erecção mas que não conseguem ejacular facilmente (…) O nosso estudo com Cialis permitiu que estes homens deixassem de ter problemas com a ejaculação.

Saliente-se que a tadalafila também está a ser investigada sobre os seus eventuais benefícios no tratamento da hipertensão arterial pulmonar, uma doença actualmente de difícil diagnóstico e tratamento.


Nota sobre a tadalafila na Wikipedia
“O processo fisiológico da ereção envolve a liberação de óxido nítrico (NO) ao corpo cavernoso do pênis. O óxido nítrico liga-se a receptores da enzima guanilato ciclase, o que provoca um aumento nos níveis de guanosina monofosfato cíclico (GMPc). O GMPc promove um relaxamento da parede muscular dos vasos sanguíneos do pênis, aumentando o fluxo sanguíneo e possibilitando a ereção.
A tadalafila é um potente inibidor seletivo da PDE5 (fosfodiesterase tipo 5), uma enzima encontrada principalmente nas paredes das artérias do pênis e dos pulmões e responsável pela degradação do GMPc no corpo cavernoso. A estrutura química da tadalafila possui certa semelhança à estrutura do GMPc, e compete com este pela ligação à PDE5. Disso resulta um aumento nos níveis de GMPc e melhores ereções. A tadalafila não é capaz de produzir ereções por si só, sem a presença de estímulos sexuais, pois sem estes não há ativação do sistema óxido nítrico/GMPc. A sildenafila (Viagra) e a vardenafila (Levitra) agem de modo semelhante.
A tadalafila está sendo estudada como um possível tratamento para a hipertensão arterial pulmonar, graças a seu efeito sobre o GMPc. Espera-se que a tadalafila possibilite a abertura dos vasos sanguíneos pulmonares, reduzindo a pressão e a resistência nas artérias pulmonares, e diminuindo a carga de trabalho do ventrículo direito do coração.”


quarta-feira, 27 de abril de 2011

NDM-1: UM PERIGO PARA A SAÚDE PÚBLICA?


Crónica semanal publicada no Diário de Coimbra.

Tem-se verificado nos últimos anos um reacender constante do debate sobre a eficácia dos antibióticos que usamos para combater as doenças causadas pelas bactérias patogénicas que nos colonizam.

Após algumas décadas de aparente controlo e eficácia garantida por um conjunto de antibióticos ditos de última geração, começam a surgir casos de preocupação para a saúde pública, caracterizados por um aumento daresistência bacteriana às “balas mágicas”.

Inúmeros relatórios oficiais e artigos em revistas científicas generalistas como a “Nature” ou a “Science”, ou de especialidade médica como a “The Lancet” ou a “New England Journal of Medicine", têm posto a nu algumas fragilidades na luta contra várias bactérias causadoras de doenças severas e mesmo mortais.




No meio de várias preocupações com diversos microrganismos que adquiriram resistência aos antibióticos a eles específicos, a bactéria do momento, ou melhor, o grupo de bactérias colunáveis e de primeira página são aquelas que possuem o gene que codifica uma enzima designada porNDM-1 (de New Delhi metallo-β-lactamase 1). Descoberta em 2008 em Nova Deli, num paciente sueco, em viagem pela Índia, contaminado com uma estirpe de klebsiella pneumoniae (causadora de pneumonia), aquela enzima confere a estas estirpes uma “super-resistência” aos antibióticos que actuam pela “destruição” da parede externa feita de peptidoglicano, protecção essencial das bactérias classificadas por gram-negativas. No geral as bactérias que possuem esta enzima resistem a todos os antibióticos excluindo as polimixinas. Estas são antibióticos polipeptídicos, abandonados da prática clínica entre 1970 e 1980 devido à sua elevada toxicidade sobre o organismo humano. O aparecimento de estirpes bacterianas multirresistentes “obrigou” à sua utilização de última linha em ambiente hospitalar.

Estudos subsequentes permitiram identificar a nova estratégia resistente presente em vários géneros de bactérias da família Enterobacteriaceae (que inclui muitas das que nos são patogénicas como a Salmonella ou aEscherichia), em vários países incluindo a Inglaterra, em ambiente hospitalar e muito recentemente em águas de abastecimento público em Deli (http://www.thelancet.com/journals/laninf/article/PIIS1473-3099(11)70059-7/abstract). A maior parte das investigações indica que o elemento genético que codifica a NDM-1 possui também informação genética para proteínas que funcionam com bombas que expulsam os antibióticos para fora das bactérias, assim como ainda outras informações que facilitam a sua disseminação no mundo microbiano. É um exemplo de adaptação bacteriana de última geração que faz uso da rede global de partilha de informação genética bacteriana útil em prática há milhões de anos.

Apesar da “contaminação” da rede de água pública na cidade indiana referida, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou na semana passada vários comunicados para os media retirando peso ao alarme do perigo para a saúde pública, quer local quer mundial, contrapondo a necessidade de mais investigação para determinar o grau de perigo efectivo. De facto, os poucos estudos já publicados sobre as bactérias que apresentam a NDM-1, mostram que as bactérias não se tornaram mais patogénicas, “apenas” adquiriram uma multiressistência alargada a todos os antibióticos em uso! Segundo a OMS, são necessários mais estudos para fundamentar a necessidade de alterar ou alargar os procedimentos de prevenção.

Enquanto isso, os meios de comunicação bacterianos partilham o elemento genético que contém o gene para a super-multi-ressistência e espalham a boa nova bioquímica no “In Bacteria News”: Com NDM-1 sobrevives a qualquer droga humana!

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

UM MUNDO IMAGINADO, MAS MUITO REAL





Em 1988, vivi de forma intensa e maravilhado “um mundo imaginado”. Uma experiência real de investigação científica através de um livro, com aquele título, então publicado na língua portuguesa pela Gradiva, editora que me ensinou a caminhar na ciência.

Linha após linha, página após página, eu, então jovem estudante de Bioquímica na Universidade de Coimbra, vivi 5 anos de uma história real e intensa de descoberta científica, num só fôlego, numa noite que se fez dia inúmeras vezes. 

Vivi, através do relato rigoroso e apaixonado de June Goodfield, autora do livro, os dias e as noites sem horário, a entrega persistente e lúcida, os avanços e retrocessos, os obstáculos e os recuos, a alegria e o desespero silencioso do processo científico efectuado sob a linha do desconhecido por uma promissora cientista portuguesa a trabalhar nos Estados Unidos. 

A cientista era a Bióloga Maria de Sousa, Professora Catedrática de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Jubilada em Outubro de 2009 (ver aqui vídeo da sua última aula) e agora homenageada pela Universidade de Coimbra com a atribuição do prémio desta instituição. Sublinho uma das inúmeras frases de referência que, nessa sua aula de jubilação, Maria de Sousa proferiu ao dizer, cito de cor, que ao longo da sua carreira só fez aquilo que sabia fazer: trabalhar!

A investigação em causa, uma caminhada árdua de cinco anos no Cornell Medical College, em Nova Iorque, na segunda metade da década de 70 do século passado e que produziu uma grande descoberta relacionada com o sistema imunitário, mais especificamente com o Linfoma de Hodgkin.

Mais do que um relato é um retrato vivo, com molduras que se abrem em novos quadros a cada obstáculo ultrapassado, com nevoeiros densos a dificultar a leitura de algumas derrotas, de becos aparentes que pareciam esfumaçar, com o folhear de uma página, anos de trabalho árduo.

Nesta hora de homenagem e reconhecimento da Universidade de Coimbra a esta sempre discreta mas incontornável referência do melhor da investigação científica, na sua área a nível mundial, realço a qualidade da sua dedicação ao trabalho científico, as descobertas que fizeram e fazem escola e que aparecem agora facilitados no tempo pela excelência da sua pessoa humana. 

A enormidade da discrição enquanto pessoa contrasta abismalmente com a importância incontornável do seu trabalho científico. De referir que Maria Sousa produziu, desde 1960, artigos científicos cruciais à definição da estrutura funcional dos órgãos que constituem o sistema imunológico, descobrindo em 1971, um fenómeno que pode ser descrito pela capacidade de células imunitárias de diferentes origens migrarem e se organizarem em áreas bem determinadas dos órgãos linfóides periféricos, processo celular que designou e é conhecido por “ecotaxis”. Foi e é pioneiro o seu trabalho sobre a importância da homeostase do ferro no organismo e a relação das suas perturbações com várias patologias.



No capítulo da divulgação de ciência e da formação sobre o que é o dia-a-dia de quem faz ciência, deveria ser obrigatório ler este “Mundo Imaginado”, apesar de esgotado no editor (de June Goodfield, Gradiva, coleccção Ciência Aberta nº 9), para mim, e para muitos, um dos melhores livros sobre ciência e talvez o melhor sobre ciência em acção directa. 

Para progredirmos temos de aprender com os exemplos dos melhores, independentemente da sua área. E no panorama da realização científica portuguesa das últimas décadas Maria de Sousa é incontornável. Ou, como ela com certeza corrigiria, o seu trabalho é que é incontornável.

António Piedade

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A INSULINA E A INSUFICIÊNCIA RENAL





A hormona Insulina, produzida pelas células do tipo beta dos ilhéus de Langerhans, encontrados no pâncreas, está há muito associada à regulação do metabolismo do açúcar glicose. Como é sabido, perturbações na sua acção levam naturalmente ao desenvolvimento da condição conhecida por Diabetes.

O principal papel bioquímico estabelecido para a insulina, em termos muito gerais, é o de interagir especificamente com processos que facilitam a assimilação de glicose por parte das células de determinados tecidos. Por exemplo, em células como as dos tecidos musculares e adiposo, a presença de insulina é condição essencial para que a glicose possa entrar para dentro da célula. Recorde-se que a glicose é essencial como fonte de energia para a actividade celular.

Na ausência ou em concentrações insuficientes de insulina, a glicose não é facilmente assimilada pelas células e a sua concentração no sangue tende a aumentar para valores característicos da condição designada por hiperglicémia. A continuação desta condição, por um tempo mais ou menos longo, desencadeia perturbações mais ou menos graves em vários sistemas como o circulatório e o renal, entre outros. De facto, a excessiva concentração de glicose no sangue, e de forma crónica, causa danos, muitas vezes irreversíveis, sobre estruturas funcionais de vários órgãos. Por isso, o conhecimento geral atribui à insulina um papel central na regulação da concentração plasmática de glicose. Mas, sabe-se hoje, a insulina desempenha muitos outros papéis.

Por outras palavras, sabia-se que a insulina regula inúmeras vias metabólicas ligadas à homeostase da glicose. Mas são pouco mencionados outros papéis da insulina que, apesar de poderem parecer secundários, contribuem no mínimo para o normal funcionamento do organismo como um todo.

Sabe-se que a insuficiência renal pode ser originada ou acentuada pelo menos indirectamente por uma insuficiência insulínica. Mas o que não se sabia e foi agora publicado num artigo na revista Cell Metabolism, na sua edição de 6 de Outubro (aqui) é que a presença de insulina influencia a estrutura e a função normal de um grupo particular de células renais especializadas, os podócitos (células do epitélio glomerular renal e com aspecto “tentacular”), cuja actividade é essencial para que o rim consiga filtrar o sangue e com um papel especial na retenção de proteínas importantes. Os autores do artigo descobriram que, quando a insulina deixa de sinalizar os podócitos, estes cessam a sua actividade filtrante, causa directa para uma deficiente função renal. Ou seja, a presença ou não de insulina modela, desta forma, a função dos rins e estes precisam desta hormona para funcionar bem.

O conhecimento deste mecanismo regulador da função renal dependente de insulina vem contribuir não só para um melhor conhecimento dos mecanismos moleculares da doença diabética a nível renal, mas principalmente para uma compreensão mais fina, a nível molecular, da regulação do funcionamento renal.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

INSULINA NA DOENÇA RENAL





Uma determinada doença renal pode ser o resultado de uma deficiente sinalização mediada por insulina. Esta descoberta desafia o conhecimento estabelecido.


G.I. Welsh, et al., "Insulin signaling to the glomerular podocyte is critical for normal kidney function,"Cell Metabolism, 12:329-40, 2010.
http://www.cell.com/cell-metabolism/fulltext/S1550-4131(10)00302-5



http://www.the-scientist.com/news/display/57735/
http://www.the-scientist.com/blog/display/57672/