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quinta-feira, 7 de março de 2013

O sal aumenta o risco de doenças autoimunes




Foi descoberta uma relação entre o excesso de sal na alimentação e o aumento de células do sistema imunitário envolvidas em doenças autoimunes como a esclerose múltipla, a diabetes tipo 1, a psoríase, entre outras.

Os sais são essenciais à vida. Mas, como com quase tudo o resto, o excesso deles pode arrastar a vida para a doença e eventual morte. É o que sucede com o excesso do sal de cozinha na nossa alimentação. O cloreto de sódio (símbolo químico NaCl) está presente nos oceanos das nossas descobertas marítimas em cerca de 3,5% da sua composição em peso (ou seja, existem cerca de 35 g num litro de mar). No nosso corpo (um adulto com 60 kg tem cerca de 150 g de NaCl no seu corpo). os iões que o compõem são essenciais para o funcionamento, por exemplo, do sistema nervoso, participando na geração dos impulsos nervosos.

Há sempre sal no nosso pensamento, nos nossos sonhos, nas nossas emoções e afectos. As lágrimas sabem a sal.

Para manter o NaCl que necessitamos no nosso corpo, a Organização Mundial da Saúde indica que devemos ingerir menos de 5 g daquele sal por dia. O consumo de cerca de 2 g de NaCl (presente já em vários alimentos sem que seja necessário mais adições) é considerado saudável).


Cristais de NaCl


Há muito que se sabe que o seu excesso de sal na alimentação é prejudicial à saúde. Desde há pelo menos décadas que o excesso de NaCl está associado a um risco significativamente maior no desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

Agora foi descoberto que este mesmo sal está envolvido em determinadas em vias metabólicas, na regulação e maturação de células específicas do nosso sistema imunitário: linfócitos Th17.

Em três artigos (ver aqui, aqui e aqui) publicados no dia 6 de Março na edição online da revista Nature, investigadores das Universidades de Yale, de Harvard, de vários centros hospitalares nos Estados Unidos da América do Norte e na Alemanha, demonstram que a presença em excesso e continuada daquele sal no organismo tem como consequência uma híperestimulação na maturação e activação dos linfócitos Th17.


Imagem de um linfócito T rodeado de glóbulos vermelhos.


Se por um lado estas importantes células do nosso sistema imunitário nos protegem contra microrganismos invasores e causadores de doenças, a sua actividade está também associada a doenças autoimunes (em que células do próprio organismo são por elas “atacadas” e destruídas). Entre estas doenças encontram-se a esclerose múltipla, a diabetes do tipo 1, a doença inflamatória do intestino, alguns tipos de psoríase.

Os investigadores destes estudos identificaram que as pessoas que comem regularmente “fast food” (geralmente contendo quantidades generosas de sal) possuem quantidades significativamente maiores de células Th17 activas. Descobriram ainda que a presença de excesso de sal estimula estas células a produzirem e libertarem substâncias que provocam inflamações (como a interleucina 17).

Estes estudos constituem um forte sinal de alerta para os efeitos tremendamente nocivos entre uma alimentação com excesso de sal e o estado geral de saúde, aumentando significativamente os factores de risco associados com o desenvolvimento ou agravamento doenças autoimunes.

Assim, reduza o sal na sua alimentação. Verá que a sua vida ganhará outro sal!

António Piedade

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Novas células no desenvolvimento dos ovários


Fertilidade feminina

Estudo reescreve o conhecimento sobre o desenvolvimento dos ovários



Diagrama esquemático do desenvovimento do ovário (créditos PLOS ONE)

Durante mais de uma década os cientistas pensavam que as células foliculares dos ovários, responsáveis pela produção e maturação dos oócitos (células percursoras dos óvulos), se originavam a partir das células epiteliais na superfície dos ovários à medida que estes se desenvolvem no feto feminino.

Mas uma investigação levada a cabo por investigadores da Universidade de Adelaide, na Austrália, pode vir a revolucionar o conhecimento sobre como os ovários se formam, assim como abrir novas perspectivas sobre a saúde e a fertilidade feminina.

O estudo, agora publicado na revista PLOS ONE , também descreve e nomeia um novo tipo de células que parecem ter um papel determinante no desenvolvimento dos ovários e dos folículos. Trata-se de células que os autores chamaram células GREL (Gonadal Ridge Epithelial-Like) e que serão percursoras quer das células da superfície dos ovários quer das células foliculares.

Esta descoberta vem abrir o caminho para futuros estudos que permitam compreender melhor como é que os ovários e as suas células foliculares se desenvolvem no feto feminino a partir das células agora identificadas.

Ray Rodgers, líder da investigação agora publicada, diz que este trabalho “pode permitir compreender melhor uma grande gama de condições clínicas, tais como a falha prematura dos ovários, menopausa precoce, síndroma de ovários poliquísticos (SOPQ), e cancro dos ovários”, entre outras.






Este estudo mostrou também, e pela primeira vez, que nas primeiras fases do desenvolvimento dos ovários estes não possuem uma camada de células epiteliais na sua superfície, embora os investigadores não encontrem ainda nenhuma explicação para esta descoberta.

Este estudo é mais um exemplo de como o conhecimento científico evolui. Novas descobertas obrigam a rever os modelos existentes e a substitui-los por novos que expliquem a totalidade dos factos observados (antigos e novos).

É assim com este caso: quando se pensava conhecer toda a arquitectura tecidular dos ovários eis que uma investigação descobre um novo tipo de células, percursoras de outras já conhecidas, que desempenha um papel importante nas primeiras fases do desenvolvimento dos ovários no feto feminino e na história da sua saúde e fertilidade. 

É que como os bebés femininos nascem já com a totalidade dos futuros óvulos nos ovários, tudo o que interfira com o seu desenvolvimento intrauterino, escreve a sua história futura.

António Piedade




segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

24 Genes associados à miopia


24 genes foram agora associados a problemas da visão devidos a erros refractivos e à miopia.


Trinta por cento da população ocidental e mais de oitenta por cento da população asiática sofre de miopia. Durante a infância e a adolescência os olhos crescem em comprimento. Mas se crescerem demais, acontece que a luz que entra no olho, através da pupila e do cristalino, é focada antes de atingir a retina. Esta recebe assim uma informação luminosa turva e desfocada do mundo exterior, o que caracteriza a miopia.



Apesar da miopia poder ser corrigida através do uso de lentes ou de cirurgias correctivas, o facto de os olhos serem anatomicamente mais longos e a retina mais delgada, potencia outras complicações na saúde da visão, como sejam o descolamento da retina, glaucoma ou degeneração macular, especialmente nos 
casos de miopia elevada.



Num artigo publicado na edição avançada online de dia 10 de Fevereiro da revista Nature Genetics, uma equipa de investigadores do King's College de Londres identifica várias causas genéticas para este desenvolvimento excessivo do olho.

O conhecimento agora revelado pode potenciar o desenvolvimento de melhores tratamentos para a miopia, o seu diagnóstico precoce, assim como identificar outras vias de reduzir ou mesmo de a prevenir no futuro.



Vislumbram-se novos horizontes para uma melhor visão.

António Piedade

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Medicamento para a disfunção eréctil também beneficia a ejaculação e o orgasmo




Um novo estudo clínico investigou os efeitos do fármaco CIALIS®, cujo princípio activo é a molécula tadalafil, em pacientes com disfunção eréctil (DE). Através de uma meta análise de 17 ensaios duplo-cego cruzados, com controlo de placebo, os resultados indicaram que, para além da sua acção no tratamento DE, aquele fármaco possui "efeitos secundários", neste caso considerados como benéficos, e que se traduzem muna facilitação da ejaculação e numa potenciação do orgasmo.

O artigo foi publicado na edição de Fevereiro de 2013 da revista British Journal of UrologyInternational. Os autores do estudo chamam a atenção que serão necessários mais estudos clínicos para se verificar se estes efeitos também se veirificam em homens que não sofram de disfunção eréctil.

Segundo o autor principal do estudo, Darius Paduch, um especialista em urologia e medicina sexual masculina no Weil Cornell Medical Colege em Nova Iorque, “existem muitos homens que têm, pelo menos, problemas ligeiros para atingir a erecção mas que não conseguem ejacular facilmente (…) O nosso estudo com Cialis permitiu que estes homens deixassem de ter problemas com a ejaculação.

Saliente-se que a tadalafila também está a ser investigada sobre os seus eventuais benefícios no tratamento da hipertensão arterial pulmonar, uma doença actualmente de difícil diagnóstico e tratamento.


Nota sobre a tadalafila na Wikipedia
“O processo fisiológico da ereção envolve a liberação de óxido nítrico (NO) ao corpo cavernoso do pênis. O óxido nítrico liga-se a receptores da enzima guanilato ciclase, o que provoca um aumento nos níveis de guanosina monofosfato cíclico (GMPc). O GMPc promove um relaxamento da parede muscular dos vasos sanguíneos do pênis, aumentando o fluxo sanguíneo e possibilitando a ereção.
A tadalafila é um potente inibidor seletivo da PDE5 (fosfodiesterase tipo 5), uma enzima encontrada principalmente nas paredes das artérias do pênis e dos pulmões e responsável pela degradação do GMPc no corpo cavernoso. A estrutura química da tadalafila possui certa semelhança à estrutura do GMPc, e compete com este pela ligação à PDE5. Disso resulta um aumento nos níveis de GMPc e melhores ereções. A tadalafila não é capaz de produzir ereções por si só, sem a presença de estímulos sexuais, pois sem estes não há ativação do sistema óxido nítrico/GMPc. A sildenafila (Viagra) e a vardenafila (Levitra) agem de modo semelhante.
A tadalafila está sendo estudada como um possível tratamento para a hipertensão arterial pulmonar, graças a seu efeito sobre o GMPc. Espera-se que a tadalafila possibilite a abertura dos vasos sanguíneos pulmonares, reduzindo a pressão e a resistência nas artérias pulmonares, e diminuindo a carga de trabalho do ventrículo direito do coração.”


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Dormir mal prejudica a fomação de memórias

A deterioração progressiva da região pré-frontal do córtex cerebral diminui a qualidade do sono à medida que envelhecemos. Isto por sua vez causa uma diminuída capacidade em formar memórias novas, de acordo com uma investigação publicada agora na revista Nature Neuroscience.

Neste estudo identifica-se uma via neuronal disfuncional que permite explicar a relação entre a deterioração cerebral, a perturbação no sono e a perda de memória à medida que envelhecemos. 

Segundo M. Walker, investigador principal, esta descoberta potencia o desenho de novas estratégias terapêuticas para contrariar esta tendência natural de, por exemplo, nos esquecermos do nome das pessoas, entre outras coisas, com a idade...




Antes de um gesto



O neurocientista português Rui Costa, e colegas, descobriram o que acontece no cérebro antes de fazermos um movimento.


No dia-a-dia fazemos inúmeros movimentos de uma forma quase inconsciente. Andar, correr, estender o braço para apertar a mão de alguém que nos cumprimenta, são movimentos que fazem parte de um reportório neuromuscular que aprendemos e que tornámos de certa forma automáticos e “inconscientes”.

Compreender como é que o nosso cérebro coordena todos os músculos que estão envolvidos nesses movimentos e os integra, num aparente “esforço consciente”, com o que os nossos olhos veem e os sons que os nossos ouvidos captam à nossa volta, entre outros estímulos, não tem só um interesse científico fundamental (o de saber porque como e funciona), mas também permite entender o que está da facto envolvido em doenças neurodegenerativas que afectam o movimento, como sejam a doença de Parkinson e a coreia de Huntington.

Ou seja, compreender que partes do cérebro e que células neuronais estão envolvidas na decisão inconsciente de levantar um braço, pode permitir encontrar novas estratégias terapêuticas para tratar ou minorar pelo menos os sintomas daquelas doenças incapacitantes.

Sabia-se que dois circuitos neuronais diferentes que partem dos gânglios da base (um grupo de núcleos de neurónios localizados numa região profunda do encéfalo) afectavam a decisão para iniciar um movimento. Um dos circuitos designa-se por “directo” e o outro, por ter outras ramificações chama-se “indirecto”. 



A doença de Parkinson, que inibe movimentos, e a coreia de Huntington, que causa descontrolo nos movimentos, afectam estes dois circuitos. Por isso, os neurocientistas puseram como hipótese que o circuito directo servia para activar o movimento e o indirecto servia para o inibir.

Mas, uma investigação em que participou o neurocientista português Rui Costa (que trabalha na Fundação Champalimaud, em Lisboa) e que acaba de ser publicado num artigo na edição online da revista Nature mostra que afinal o comando para começar uma acção é mais complexo do que se pensava.



Rui Costa e colegas descobriram que a decisão para fazer um movimento simples, como levantar o braço, depende de dois circuitos neuronais diferentes e não de um só.

Segundo o investigador português “o conhecimento científico até ao momento indicava que o circuito directo promovia o movimento e o circuito indirecto inibia o movimento. Portanto no caso de Parkinson seria um excesso de actividade do circuito indirecto o que causava a falta do movimento”.

Neste trabalho, considerado muito elegante do ponto de vista laboratorial e científico num editorial da prestigiada revista Nature, os investigadores introduziram proteínas florescentes e fibras ópticas em ratinhos de laboratório, o que lhes permitiu visualizar directamente a actividade dos gânglios da base, o que nunca tinha sido feito.

Esta monitorização permitiu “ver” e perceber que “esses dois circuitos não funcionavam de forma oposta, mas mais de uma forma coordenada. Quando há movimento, ambos os circuitos estão mais activos e portanto o que indica é que se descobrirmos formas de manipular estes circuitos para estarem activos de uma forma coordenada podemos melhorar problemas de movimento, como Parkinson ou Huntington”, explicou Rui Costa.

Estes resultados podem ajudar “a melhorar o tratamento dos sintomas das doenças neuronais” diz o investigador e acrescenta que “o próximo passo é tentar manipular a actividade destes circuitos, de forma a controlar o movimento.”

Estamos assim mais próximos de perceber a orquestração neuronal que antecede um gesto.


António Piedade



terça-feira, 19 de outubro de 2010

"A Photographia Atravez Dos Corpos Opacos"





Os últimos 150 anos foram marcados por importantes descobertas científicas que mudaram paradigmas e o dia-a-dia da sociedade em que vivemos. Contrastando com essa mudança, pode afirmar-se que, de um modo geral, a imprensa portuguesa sempre tratou com indiferença, expresso em particular na falta de rigor, o avanço da ciência produzida quer aquém, quer além fronteiras, assim como os cientistas que o protagonizaram.

Exemplo disso é o silêncio jornalístico ao redor da visita de Albert Einstein a Lisboa, a 11 de Março de 1915: nem uma única linha foi escrita pela imprensa portuguesa, e só sabemos dela através de notas do seu diário.

À procura de eventuais e raríssimas excepções, encontra-se uma e logo muito interessante, que está documentada no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (aqui) e que é contextualizada no livro “Breve História da Ciência em Portugal”, de Carlos Fiolhais e Décio Martins, publicado este ano pela Imprensa da Universidade de Coimbra e pela Gradiva.

Na primeira página do jornal O Século de 1 de Março de 1896, foi publicado um artigo extenso sob o título “A Photographia atravez dos corpos opacos” (reproduzida num artigo de Décio Martins na página do Instituto Camões l). Nele, noticiavam-se os resultados da aplicação médica de raios X, obtidos pela primeira vez em Portugal e na Universidade de Coimbra, em Fevereiro de 1896, pelo físico Henrique Teixeira Bastos.

Esta notícia e o seu conteúdo são espantosos pelo facto de os raios X só terem sido descobertos por Roentgen, três meses antes, a 8 de Novembro de 1895, em Wuerzburg, na Baviera, Alemanha. Isto significa não só que Teixeira Bastos e os seus pares portugueses estavam em contacto atento e na vanguarda do conhecimento da estrutura da matéria e das radiações electromagnéticas, mas também que existiam, no então Gabinete de Física Experimental da Universidade de Coimbra, as condições necessárias para a reprodução e validação experimental das últimas descobertas científicas. Sabe-se que esta actualidade científica deve muito aos contactos e viagens internacionais mantidas pelo físico António dos Santos Viegas, também professor em Coimbra (durante mais de 50 anos).

A notícia n' O Século implica ainda existir nessa época uma profícua colaboração interdisciplinar entre a Faculdade de Filosofia (que então albergava ciências como a Física) e a Faculdade de Medicina. De facto, essa relação de partilha de conhecimento resultou numa rápida aplicação médica das descobertas sobre a estrutura atómica que foi materializada com a criação em 1901, curiosamente o ano em que Roentgen recebe o primeiro prémio Nobel da Física (aqui), do Gabinete de Radioscopia e Radiografia no Hospital da Universidade de Coimbra.

Alguns dos instrumentos utilizados nas experiências então noticiadas podem ser vistos na exposição permanente do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra bem assim como no recentemente reaberto Gabinete de Física do século XVIII (aqui), com uma sala do século XIX, pertencente ao mesmo Museu.


Legenda da fotografia: Mão direita de um rapaz que sofre de tuberculose óssea”.


António Piedade, escrito a 11 de Outubro e publicado primeiramente no Ciência Hoje

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A INSULINA E A INSUFICIÊNCIA RENAL





A hormona Insulina, produzida pelas células do tipo beta dos ilhéus de Langerhans, encontrados no pâncreas, está há muito associada à regulação do metabolismo do açúcar glicose. Como é sabido, perturbações na sua acção levam naturalmente ao desenvolvimento da condição conhecida por Diabetes.

O principal papel bioquímico estabelecido para a insulina, em termos muito gerais, é o de interagir especificamente com processos que facilitam a assimilação de glicose por parte das células de determinados tecidos. Por exemplo, em células como as dos tecidos musculares e adiposo, a presença de insulina é condição essencial para que a glicose possa entrar para dentro da célula. Recorde-se que a glicose é essencial como fonte de energia para a actividade celular.

Na ausência ou em concentrações insuficientes de insulina, a glicose não é facilmente assimilada pelas células e a sua concentração no sangue tende a aumentar para valores característicos da condição designada por hiperglicémia. A continuação desta condição, por um tempo mais ou menos longo, desencadeia perturbações mais ou menos graves em vários sistemas como o circulatório e o renal, entre outros. De facto, a excessiva concentração de glicose no sangue, e de forma crónica, causa danos, muitas vezes irreversíveis, sobre estruturas funcionais de vários órgãos. Por isso, o conhecimento geral atribui à insulina um papel central na regulação da concentração plasmática de glicose. Mas, sabe-se hoje, a insulina desempenha muitos outros papéis.

Por outras palavras, sabia-se que a insulina regula inúmeras vias metabólicas ligadas à homeostase da glicose. Mas são pouco mencionados outros papéis da insulina que, apesar de poderem parecer secundários, contribuem no mínimo para o normal funcionamento do organismo como um todo.

Sabe-se que a insuficiência renal pode ser originada ou acentuada pelo menos indirectamente por uma insuficiência insulínica. Mas o que não se sabia e foi agora publicado num artigo na revista Cell Metabolism, na sua edição de 6 de Outubro (aqui) é que a presença de insulina influencia a estrutura e a função normal de um grupo particular de células renais especializadas, os podócitos (células do epitélio glomerular renal e com aspecto “tentacular”), cuja actividade é essencial para que o rim consiga filtrar o sangue e com um papel especial na retenção de proteínas importantes. Os autores do artigo descobriram que, quando a insulina deixa de sinalizar os podócitos, estes cessam a sua actividade filtrante, causa directa para uma deficiente função renal. Ou seja, a presença ou não de insulina modela, desta forma, a função dos rins e estes precisam desta hormona para funcionar bem.

O conhecimento deste mecanismo regulador da função renal dependente de insulina vem contribuir não só para um melhor conhecimento dos mecanismos moleculares da doença diabética a nível renal, mas principalmente para uma compreensão mais fina, a nível molecular, da regulação do funcionamento renal.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

INSULINA NA DOENÇA RENAL





Uma determinada doença renal pode ser o resultado de uma deficiente sinalização mediada por insulina. Esta descoberta desafia o conhecimento estabelecido.


G.I. Welsh, et al., "Insulin signaling to the glomerular podocyte is critical for normal kidney function,"Cell Metabolism, 12:329-40, 2010.
http://www.cell.com/cell-metabolism/fulltext/S1550-4131(10)00302-5



http://www.the-scientist.com/news/display/57735/
http://www.the-scientist.com/blog/display/57672/



quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Entrevista ao professor Doutor Massano Cardoso sobre tuberculose



Entrevista ao Professor Doutor Salvador Massano Cardoso, Director do Instituto de Higiene e Medicina Social da FMUC, sobre a tuberculose.

António Piedade - Segundo a OMS, a cada segundo que passa, ou seja, a cada duas palavras desta pergunta, uma nova pessoa no mundo é infectada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, causadora da tuberculose. Cerca de um terço da população mundial está infectada pelo bacilo. Pode contextualizar a epidemiologia da doença em Portugal?
Massano Cardoso - O decréscimo da prevalência da tuberculose em Portugal é, desde há muitos anos, uma realidade que merece ser destacada. Presentemente, o número de novos casos registados coloca-nos numa posição intermédia com uma taxa de incidência de 24 por 100 mil habitantes. O “desejável” seria baixar para menos de 20 por 100 mil habitantes. Quando se atingem taxas desta natureza, é preciso muito esforço para que se possa observar uma ligeira redução. Sendo assim, no futuro, é de esperar que continuemos a observar melhorias, mas, seguramente, a um ritmo lento. Em termos geográficos existe uma grande variação da incidência da tuberculose, sendo as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto as mais atingidas. Aparentemente poderá parecer um paradoxo, ou seja, as áreas mais desenvolvidas são precisamente as que apresentam taxas de incidência mais elevadas. A justificação tem a ver com os atuais fatores de risco da tuberculose, toxicodependência, infeção VIH/Sida, imigrantes, condições facilitadoras do contágio nos bairros e cinturões dos polos de atração. Quanto aos grupos de risco, os já enunciados constituem uma preocupação muito séria, a par dos tradicionais, nomeadamente profissionais de saúde. Numa perspetiva epidemiológica, um bom empenhamento e adequada coordenação na luta contra a tuberculose não deixará de continuar a dar resultados positivos. Estamos perante uma velha doença que “sabe” aproveitar todos os condicionalismos sociais, comportamentais e económicos para se manter ativa. Portugal reúne muitos desses condicionalismos.

AP - O aumento no número de pessoas infectadas é acompanhado por um aumento de mortes devidas à doença tuberculosa?
MC - A relação morbilidade/mortalidade é linear. Quantos mais casos maior o risco de morte. No caso vertente, apesar da terapêutica e do sucesso da mesma, desde que cumpridas as regras, que, diga-se em abono da verdade, nem sempre são fáceis de cumprir, já que exige adesão durante um período longo, tem-se observado casos mortais. No contexto mundial, a realidade é particularmente confrangedora, chegando nalgumas regiões do globo a ser mesmo obscena, revelando incompetência e falta de cuidados na prevenção e tratamento.

AP - Quais os factores que nos ajudam a explicar este aumento na incidência da infecção pelo bacilo de Koch? Qual o peso, neste aumento, da resistência bacteriana às terapêuticas antibióticas utilizadas?
MC - A tuberculose esteve sempre ligada a problemas de fragilidade biológica condicionada pela falta de higiene, má alimentação e superpovoamento, além de outras patologias que se acompanham de diminuição da capacidade imunológica. Nos últimos séculos terá sido a doença que mais influenciou, em termos evolutivos, a espécie humana, ao selecionar os mais resistentes que, decerto, possuirão características biológicas próprias, as quais poderão ser responsáveis por alguns problemas de saúde típicos da sociedade moderna. De qualquer modo, a par dos fatores “clássicos”, que continuam a predominar, mesmo entre nós, a “chegada” de novos comportamentos e de novas doenças contribuíram para a sua propagação. A toxicodependência é um deles, assim como a infeção pelo VIH/Sida. Estamos perante uma doença que pode e deve ser combatida a vários níveis. Talvez o mais importante é a atuação a montante, mas muito a montante, a nível social, cultural, económico e até político de um país. Trata-se de uma doença que preenche perfeitamente os requisitos para mostrar a importância da “Network Science” (Ciência das Redes). Medidas culturais, alimentares, habitacionais, organizacionais e económicas acabam por reduzir de uma forma efetiva muitas doenças, tais como: a sida, a tuberculose ou a toxicodependência que, na periferia da rede, acabam por se entrelaçar de forma muito perigosa. Estamos perante uma doença cuja terapêutica social, numa perspetiva de prevenção, é extraordinariamente eficaz. Quanto se manifesta clinicamente, o recurso aos fármacos é indispensável, podendo, na grande maioria dos casos resolver o problema. No entanto, o número de casos de tuberculose resistentes à terapêutica é uma realidade preocupante, que, aliada à falta de investigação de novos fármacos no seu combate, preocupa, e muito, os responsáveis.

AP - Os artigos agora publicados nas duas principais revistas generalistas de referência para a Medicina (The Lancet e New England Journal of Medicine), sublinham a necessidade urgente de um teste mais rápido e preciso para a detecção do bacilo de Koch e das suas estirpes mais resistentes aos antibióticos utilizados. Qual a importância do tempo de diagnóstico para o controlo do contágio e infecção e, consequentemente, no número de casos doentes?
MC - O diagnóstico precoce desta doença é vital por duas ordens de razão. A primeira, prende-se com a facilidade e rapidez da terapêutica no indivíduo sofredor, a segunda com a diminuição do risco de contágio. Não esquecer que, muitas vezes, o diagnóstico é feito já numa fase relativamente avançada da doença. Cursa silenciosamente durante algum tempo. Traiçoeiramente mina o doente, aproveitando-se do facto para se propagar. Um diagnóstico precoce permitirá um combate muito mais eficiente, e, quem sabe, controlar, no futuro, em níveis relativamente baixos. Qualquer expectativa de erradicação do bacilo de Koch é uma utopia, porque a natureza e as características do germe em questão irão, como é fácil de prever, contornar todas as nossas medidas e intervenções. O microcosmo é um mundo que vive facilmente sem o homem, mas o homem não consegue dispensá-lo. Não esquecer que o bacilo responsável pela tuberculose já existia antes de “entrarmos” neste mundo e irá continuar após o nosso desaparecimento. Um vencedor anunciado.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

OVÁRIO HUMANO ARTIFICIAL






Os ovários humanos são órgãos onde são produzidas e amadurecidas as células germinativas, ou gâmetas, femininas. Cada ovário, como qualquer outro órgão, é constituído por diferentes tipos de tecidos, cada qual com uma função anatómica e/ou fisiológica específica.

Em termos muito gerais, distinguem-se em cada ovário uma zona interna e central designada por medular, muito irrigada por vasos sanguíneos, e uma zona cortical, periférica, contendo inúmeros folículos ováricos em diferentes estádios de desenvolvimento.

É no interior de cada folículo, futuras enseadas de ovulação, que se encontram os oócitos (gâmetas femininos). No momento do nascimento do ser feminino, os ovários possuem cerca de quatro milhões de folículos, cada um, por sua vez, albergando um oócito primário. Destes, só 400 se desenvolverão em gâmetas capazes de serem fecundadas por um únicoespermatozóide.

No folículo primordial, o oócito primário encontra-se rodeado unicamente por um folheto de células designadas por granulosas. Parte destas, conjuntamente com a zona pelúcida, formarão a última barreira para a penetração do espermatozóide no óvulo. Mas as células da granulosa possuem uma actividade hormonal e reguladora insubstituível. Num sincronismo sussurrante com o oócito, espalham a notícia do estado do seu desenvolvimento, secretando para o resto do corpo feminino a hormonaestrogéneo e sublinhando, com pequenas quantidades de progesterona, a etapa libertatória da ovulação.

A granulosa secreta ainda uma outra hormona, a inibina, e outras substâncias que mantêm o oócito num determinado estado de desenvolvimento (paragem meiótica em metáfase II) numa cândida e imaculada espera.

Com o crescimento do oócito, as outras células foliculares expandem-se e formam a teca. Esta circunda o futuro óvulo, rodeado pela granulosa, e estimula esta última a secretar estrogéneo. Com o crescimento folicular, forma-se um antro líquido marginado pela teca, como se o futuro óvulo estivesse a ser treinado para “navegar”.

Diga-se, de passagem, que estas actividades secretoras estão em sintonia e dependem da concentração sanguínea de outras hormonas secretadaspela hipófise como sejam a FSH e a LH; que a granulosa desempenha papéis importantes nas primeiras etapas do desenvolvimento embrionário e na sua nidação no útero.

Neste contexto, entende-se que qualquer perturbação anormal sobre os folículos pode comprometer o desenvolvimento de células reprodutoras femininas e levar a uma situação de infertilidade. É o caso de mulheres sujeitas a tratamentos anticancerígenos que podem inviabilizar a funçãofolicular ovárica e logo a reprodutiva. Nestes casos, a préviacriopreservação de tecidos ováricos e posterior implante autólogo já permitiu o nascimento de crianças em mães entretanto sujeitas a químio- ouradioterapias.

Outra estratégia é a que foi agora publicada na revista Journal of AssistedReproduction and Genetics por investigadores da Universidade de Brown e do Women & Infants Hospital em Rhode Island (USA). Através de novas técnicas da engenharia de tecidos, mostram terem conseguido construir aarquitectura tecidular característica do folículo ovárico humano num molde 3D de gel de agarose e que este designado “ovário humano artificial” é potencialmente funcional para o amadurecimento de oócitos.

Estaremos perante uma nova esperança para a infertilidade feminina?

António Piedade