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sexta-feira, 22 de março de 2013

Vitamina D3 diminui riscos para muitas doenças



A vitamina D há muito que está associada ao bom funcionamento dos tecidos musculares e esqueléticos e à disponibilidade celular de cálcio. O cálcio é essencial para a contracção muscular assim como é um mensageiro químico intracelular, com papel importante na actividade das mitocôndrias. 

As mitocôndrias, para além de serem as “fábricas” de energia celular, estão envolvidas directamente na saúde celular, como seja na co-regulação do seu ciclo de divisão (precisamente por mitose) assim como em processos de morte programada, ou apoptose. As mitocôndrias estão ainda envolvidas no nível de stress oxidativo a nível celular.

Assim não é de estranhar a ligação dos níveis de vitamina D e um número grande de distúrbios que interferem com o estado de saúde e que podem originar doenças, mais ou menos graves ou mesmo mortais.

Vários dados apresentados em estudos epidemiológicos publicados nos últimos anos têm associado a deficiência (menos de 20 ng/mL no sangue) ou insuficiência (entre 21-29 ng/mL no sangue) nos níveis sanguíneos de vitamina D com um risco acrescido no desenvolvimento de doenças cancerosas, autoimunes, infecciosas, diabetes tipo 2 e cardiovasculares.

Agora, num artigo publicado on line na revista PLOS ONE no dia 20 de Março de 2013, cientistas do Centro Médico da Universidade de Boston, em Massachusetts nos Estados Unidos, apresentam pela primeira vez resultados que indicam que os níveis de vitamina D (especificamente o colecalciferol ou vitamina D3) têm um impacto directo sobre a expressão de muitos genes (291 genes foram investigados neste estudo) envolvidos em várias vias metabólicas que se sabe estarem associadas com o desenvolvimento de células cancerígenas, com doenças infecciosas e autoimunes, com doenças cardiovasculares. 


Estrutura química do da vitamina D3 ou colecalciferol


Assim este estudo dá um passo em profundidade na ligação entre os níveis presentes de vitamina D3 e os processos moleculares que estão na origem ou que estão envolvidos naquelas doenças.


Funções biológicas dos genes cujos níveis de expressão foram alterados após 2 meses de administração de vitamina D3 - a partir do artigo.


O estudo indica ainda que a manutenção de níveis suficientes de vitamina D3 desempenha um papel importante no robustecimento do sistema imunitário e na diminuição do risco em desenvolver aquelas doenças.

Segundo Michael F. Holick, um dos líderes da investigação, «este estudo identifica marcadores moleculares que ajudam a explicar os benefícios da vitamina D na saúde dos sistemas não esqueléticos», e acrescenta que «enquanto muitos mais estudos são necessários para confrimar as nossas observações, os dados obtidos demonstram que manter os níveis recomendados de vitamina D3 pode ter um efeito marcante sobre a expressão genética nas células do nosso sistema imunitário e pode ajudar a explicar o papel da vitamina D3 na redução do risco para as doenças cardiovasculares, cancro, entre outras».

Recorde-se que esta é a única vitamina que tanto pode ser ingerida através da dieta como sintetizada no organismo após exposição solar. Assim, aproveite o despertar da Primavera e reponha os seus níveis de vitamina D3. Vai ver que se sentirá muito melhor.

António Piedade


Referência ao artigo:
Arash Hossein-nezhad, Avrum Spira, Michael F. Holick.Influence of Vitamin D Status and Vitamin D3 Supplementation on Genome Wide Expression of White Blood Cells: A Randomized Double-Blind Clinical TrialPLoS ONE, 2013; 8 (3): e58725 (DOI:10.1371/journal.pone.0058725)

segunda-feira, 4 de março de 2013

Uma explosão de cores no feminino



Na espécie humana os géneros sexuais são determinados pela combinação de cromossomas chamados X e Y. O género masculino resulta da presença de um cromossoma Y emparelhado com um X. O género feminino apresenta dois cromossomas X no seu genoma.

A presença de dois cromossomas X resulta, não só no desenvolvimento de uma anatomia caracteristicamente feminina, mas também de outras características fisiológicas associadas à presença de determinadas hormonas e outras biomoléculas que variam ao longo da vida (algumas destas biomoléculas também estão presentes no homem mas em diferentes concentrações).

A presença dos dois cromossomas X também modula a expressão dos genes localizados nos restantes 23 pares de cromossomas, num “diálogo” ou interacção genética cujo governo bioquímico ainda estamos longe de entender, mas que é aparentemente o resultado da “confrontação democrática” de “tendências” para inactivar ou activar cada um dos cerca de 20 mil genes que compõem o genoma humano.

Dessa "economia genética" efectuada em cada célula singular, resulta, em última instância, o que somos na globalidade orgânica (atenção que isto também é válido para o género masculino, com o cromossoma Y a causar “diálogos” eventualmente diferentes). Mas também na distintiva flexibilidade do cérebro humano para sonhar, para imaginar para além dos sentidos.

Também os sentidos são afectados pela presença de dois cromossomas X. E um deles é o da visão.
Para precepcionar as cores a maior parte de nós possui células especializadas na retina a que chamamos cones. Cada cone possui inúmeras proteínas e outras biomoléculas. Mas uma família de proteínas em particular, chamadas opsinas, é “sensível” à radiação da luz solar na região do visível.

Existem normalmente três tipos de opsinas cada uma mais sensível (ou absorvendo mais) a uma dada frequência (ou cor) do espectro visível da luz solar: ao vermelho, ao azul e ao verde. Os genes para cada uma das “variantes” da família das opsinas encontram-se no cromossoma X.

Segundo alguns estudos há mulheres que, no conjunto dos seus dois cromossomas X, no diálogo genético para a expressão dos genes das opsinas, produzem um quarto tipo destas proteínas. Possuem, assim, uma visão tetracromática em contraste com a tricromática a que o género masculino está restringido na melhor das possibilidades genéticas.




As mulheres com quatro tipos de cones diferentes parecem possuir uma maior acuidade para ver o mundo com outras nuances e subtilezas coloridas. Possuem, de certa forma, um sentido da visão mais rico, capaz de diferenciar tonalidades imperceptíveis aos homens (e à maioria das mulheres). Conseguem assim gerenciar emoções distintas em relação a uma mesma flor. Duas rosas vermelhas e iguais para um homem, podem ser distintas para uma mulher com visão tetracromática. Para estas, o mundo é mais colorido e enriquecido com padrões que só elas conseguem sentir.


António Piedade

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Dia Mundial das Doenças Raras




Um espirro anuncia a constipação. Também sintoma de uma gripe que por vezes se diz comum. Estas constipações e gripes são aflições nada raras ao longo de todo o ano e a maior parte de nós já com elas conviveu pelo menos uma vez na história das nossas vidas.

Contrariamente as estas e outras doenças sazonais, “passageiras” e comuns à maioria dos seres humanos, há um conjunto de doenças genéticas que acompanham e afectam gravemente a vida dos seus portadores: as doenças raras. Este ano o Dia Mundial das Doenças Raras celebra-se a 28 de Fevereiro.

Passou mais de uma década depois da descodificação do Genoma Humano. O mapeamento completo dos cerca de 20 mil genes humanos foi apresentado em conferência de imprensa a nível mundial a 14 de Abril de 2003. Um ano antes, foi fundada em Portugal a Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras - “Raríssimas”, mais precisamente a 12 de Abril de 2002.

Na União Europeia, consideram-se doenças raras as que têm uma prevalência inferior a 5 em 10000 pessoas. São conhecidas cerca de sete mil doenças raras, mas estima-se que existam mais, afectando, no seu conjunto até 6% da população, o que significa que atingem 40 milhões de pessoas na Europa e que existirão até 600 mil pessoas com estas patologias em Portugal. São doenças crónicas, graves e degenerativas que diminuem muito a qualidade de vida dos por elas afectados.
Uma lista de algumas doenças raras já diagnosticadas pode ser consultada aqui.

O mapeamento completo do Genoma Humano tem permitido compreender melhor os mecanismos moleculares que estão na origem de inúmeras doenças genéticas, muitas delas doenças raras, para as quais não se vislumbravam quaisquer curas e/ou tratamentos adequados antes do Projecto do Genoma Humano ter sido completado. Mas há ainda muito para fazer e compreender em cada ser humano com o seu específico fenótipo bioquímico.

O desenvolvimento de uma farmacogenómica dedicada à compreensão da base genética e metabólica das doenças, só possível depois do mapeamento do genoma e desenvolvimento e progressiva compreensão do proteoma e metaboloma humanos, veio desvendar novos horizontes tecnicamente exequíveis para as doenças raras, para os metabolismos extremos e externos ao território clássico das ciências farmacêuticas.

As doenças raras, também conhecidas por “doenças órfãs”, relegadas para os extremos das distribuições estatísticas gaussianas de susceptibilidade a doenças e interacções farmacológicas, ganharam novas e renovadas esperanças: a de ser possível antecipar o seu diagnóstico (inclusive pré-natal ou mesmo pré-concepcional) e eventualmente alterar radicalmente a história de vida de uma pessoa em particular; a de ser possível a compreensão do mecanismo molecular da doença e assim identificar alvos para o desenvolvimento de promissoras estratégias farmacológicas; o desenvolvimento de novos fármacos desenhados e ajustados à especificidade de um indivíduo em particular, eventualmente menos dispendiosos para todos os agentes envolvidos.

A atenção e os esforços sociais em relação aos portadores de uma dada doença designada por rara são sinónimos dos avanços civilizacionais em que a humanidade é substância, em que cada um tem direito a ter a melhor qualidade de vida com dignidade independente das suas especificidades e diferenças.

Aqueles que noutras eras não conseguiriam sobreviver à nascença, têm hoje a possibilidade de partilhar a sua individualidade com a sociedade de que também fazem parte, e enriquecer, com a sua raridade, nós todos, comuns mortais.

António Piedade



Legenda Figura: A Progéria tem origem em um único e pequeno defeito no código genético do bebé, mas tem efeitos terríveis para a vida da criança que geralmente não chega aos 13 anos de idade.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Insuficiência de vitamina D pode aumentar os riscos para a Diabetes Tipo 1




Manter níveis adequados de vitamina D antes da idade adulta pode reduzir em 50% o risco de desenvolver diabetes do tipo 1 em adultos.

Este resultado vai ao encontro de estudos anteriores realizados na Finlândia, publicados na prestigiada revista The Lancet em 2001, nos quais se tinha verificado um efeito preventivo de suplementos de vitamina D em crianças para o não desenvolvimento de diabetes tipo 1.

Apesar de serem necessários mais estudos epidemiológicos e bioquímicos, esta nova investigação realça a importância da presença de vitamina D na dieta como forma de prevenir que essa doença autoimune se desenvolva na vida adulta.

O estudo aqui em referência foi publicado na edição online do dia 3 de Fevereiro da revista American Journal of Epidemiology e será publicado na edição impressa de 1 de Março de 2013.

“É surpreendente que uma doença gravíssima, tal como é a da diabetes tipo 1, possa ser prevenida provavelmente só através de uma intervenção simples e segura”, afirmou Kassandra Munger autor principal do estudo e investigador da Harvard School of Public Health.

A diabetes do tipo 1 é caracterizada pela insuficiente (ou mesmo inexistente) produção de insulina pelo pâncreas, devido à destruição das células (mais exactamente as células beta dos ilhéus de Langerhans pancreáticos) que a produzem, pelo sistema imunitário do próprio (destruição autoimune).




Os doentes de diabetes tipo 1 são, assim, insulino-dependentes. Ou seja, para poderem manter níveis fisiológicos normais de glicose no sangue têm de receber insulina através de injecções cutâneas. Apesar de se poder desenvolver em qualquer idade, a diabetes tipo 1 é mais comum em crianças, adolescentes e 
adultos jovens.

Já se sabia de outros estudos que a vitamina D influencia a produção de insulina, mas estas novas investigações vêm indicar que esta vitamina pode ter um papel de protecção contra o “ataque” autoimune. Aliás, a deficiência nos níveis de vitamina D no corpo têm sido associada a um risco aumentado para o desenvolvimento de várias doenças autoimunes.



A vitamina D, ou calciferol, é necessária para a normal absorção de cálcio pelas células após exposição solar, e é essencial para o desenvolvimento normal dos ossos e dentes. É uma vitamina lipossolúvel (solúvel em gorduras) obtida a partir do colesterol que é o seu precursor metabólico.


António Piedade



Referência do artigo:
"Preclinical Serum 25-Hydroxyvitamin D Levels and Risk of Type 1 Diabetes in a Cohort of U.S. Military Personnel," Kassandra L. Munger, Lynn I. Levin, Jennifer Massa, Ronald Horst, Tihamer Orban, and Alberto Ascherio,American Journal of Epidemiology: online February 3, 2013; March 1, 2013 print edition.

sábado, 25 de setembro de 2010

A EXTREMIDADE ESTÁVEL


Existem muitas diferenças entre uma célula procariótica como as bactérias, e uma célula eucariótica, como as nossas.
Uma, essencial, é a de que o material genético nas células eucarióticas está confinado no interior da célula por uma membrana designada por nuclear.No caso das bactérias, o material genético está mais ou menos livre no citoplasma.
Outra, é a de que as bactérias têm um único cromossoma circular, logo sem extremidades, enquanto as células eucarióticas possuem cromossomas em forma de bastonete e com duas extremidades designadas por telómeros (do grego “telos”, final, e “meros”, parte).
Esta transição, na forma de empacotar a informação genética, de cromossoma circular para cromossomas lineares é ponto charneira na separação entre eucariotas e procariotas, no progressivo aumento de complexidade na evolução das formas de vida. Foi início de um novo paradigma na evolução biomolecular da vida que nos deu origem.
Assim, não é de estranhar que os telómeros tenham um papel fulcral em várias etapas do ciclo celular e principalmente durante a divisão celular.
Uma constante da vida é a de a função de uma determinada biomolécula ser o resultado da sua estrutura molecular. E claro, os telómeros possuem uma arquitectura adequada à sua posição extrema nos cromossomas: são o resultado da repetição de uma determinada sequência de bases do ADN que o compõe, o motivo da repetição variando entre espécies; estes motivos sequenciais permitem um arranjo tridimensional que origina não uma dupla hélice mas uma estrutura formada por quadruplexos de bases de guanina e citosina.
Sabemos que o comprimento dos telómeros se reduz a cada divisão celular e daqui surge a imagem de que eles constituem uma espécie de relógio da longevidade. Na verdade, são mais um indicador da estabilidade e qualidade da informação genética.
Outro aspecto importante é o de garantirem a individualidade de cada um dos cromossomas. Se algo correr mal durante uma divisão celular e os teloméricos faróis falharem, poderá ocorrer fusão entre dois cromossomas antes distintos. Como acontecimento anormal pode redundar, muito provavelmente, em morte celular ou desencadear uma divisão celular descontrolada e tumoral. Noutra perspectiva, a fusão cromossómica pode, em teoria, potenciar o aparecimento de uma nova espécie!
Com uma estrutura específica, os telómeros possuem uma maquinaria proteica própria para a sua síntese, replicação, manutenção e reparação. E é na identificação destas proteínas, suas funções e a forma como elas “dialogam” com as vias de regulação dos processos celulares, que se têm verificado os avanços promissores nesta área, com potenciais aplicações no desenvolvimento de novas terapêuticas para doenças terminais como o cancro.
É neste contexto que se enquadra o trabalho de Tiago Carneiro (investigador no Instituo Gulbenkian de Ciência) recentemente publicado na revista Nature: perceber como é que determinadas proteínas funcionam e permitem que os telómeros evitem que os cromossomas se fundam uns aos outros.http://www.nature.com/nature/journal/v467/n7312/abs/nature09353.html
António Piedade, publicado no Diário de Coimbra de 21 de Setembro de 2010

Entrevista a Tiago Carneiro


O Doutor Tiago Carneiro é investigador do grupo de Telómeros e Estabilidade Genética do Instituto Gulbenkian de Ciência, e acaba de publicar, como primeiro autor, um artigo muito interessante na revista Nature.

António Piedade – Os telómeros, garantes estruturais da estabilidade terminal e da individualidade cromossómica, têm também um papel funcional na regulação do ciclo celular?

Tiago Carneiro – Claro que sim. Os telómeros além de garantirem que as extremidades dos cromossomas continuam estáveis através do ciclo celular permitem a contagem do número de vezes que uma célula já se dividiu, o que é muito importante para as células de organismos complexos. Na grande maioria das células destes organismos, as pontas dos cromossomas diminuem em cada ciclo celular pois as extremidades dos cromossomas não conseguem ser copiadas pelos mecanismos que normalmente copiam o DNA em duas moléculas iguais a distribuir pelas células filhas. Isto faz com que em cada ciclo celular as pontas diminuam e desta forma a célula perceba o número de vezes que já se dividiu.

AP – E o que é que impede à célula de se dividir infinitamente?

TC - As células não se dividem infinitamente porque a partir de determinada diminuição das pontas as células param o seu ciclo de divisões. Poder-se-ia pensar que seria uma desvantagem o facto de as células não serem capazes de se dividir para sempre (afinal poderíamos ser imortais!) mas a verdade é que esta capacidade de parar o ciclo celular em resposta a uma diminuição das pontas dos cromossomas é uma protecção contra o cancro. Isto porque, quantas mais vezes uma célula se divide mais mais instável fica o seu material genético e essa instabilidade, se continuada, poderá dar origem a uma desregulação do ciclo celular. Nesse caso, as células poderiam começar a dividir-se descontroladamente e dar origem a um cancro. Um cancro começa sempre por este processo: uma divisão desregulada das células!

AP – O que é que a sua descoberta acrescenta ao nosso conhecimento de como a célula se protege de danos e regula a reparação das quebras de continuidade na cadeia de ADN?

TC – Quando uma célula se depara com uma quebra no meio da cadeia do ADN, o que produz duas pontas de ADN livres, pára o seu ciclo celular até que essa quebra seja reparada e as duas pontas sejam unidas. Isto é muito importante porque se a célula não reparar o ADN antes de se dividir as duas células, a que vai dar origem, vão acabar por não ter o mesmo conteúdo de ADN da célula mãe o que cria problemas ao organismo onde a célula se insere. Os telómeros por serem pontas também poderiam ser reconhecidos pelas células como quebras na cadeia de ADN. A função da estrutura telomérica é evitar que as pontas dos cromossomas sejam reconhecidas como quebras na cadeia do ADN o que seria perigosíssimo pois levaria a fusões entre cromossomas e a uma instabilidade genética que seria incomportável para a célula. O que nós descobrimos é que as pontas dos cromossomas activam as vias de reparação de quebras no ADN mas que não levam essa via até ao fim, que a cortam a meio para que as pontas dos cromossomas não sejam unidas. Com o nosso trabalho propomos também que a forma como a célula se “apercebe” das zonas do ADN que têm de ser contínuas, e portanto unidas quando quebradas, das pontas que não podem ser unidas é através de uma proteína que se liga por todo o ADN, que já era conhecida, mas que nós descobrimos que nos telómeros essa proteína tem uma forma diferente em relação ao resto de todo o genoma que tem de ser contínuo.

AP – Há alguma interacção, “diálogo”, entre a reparação de uma quebra no interior do cromossoma e a estabilidade telomérica?

TC – Essa é a parte engraçada e fascinante dos telómeros. Dado que ligar os telómeros uns aos outros seria catastrófico para as células seria de esperar que eles excluíssem de perto de si as proteínas envolvidas em reparar quebras e ligar pontas do ADN. A verdade é que não só não o fazem como precisam dessas proteínas para manter a sua estabilidade. Como já diz o ditado popular “Mantém os teus amigos perto e os teus inimigos ainda mais perto”.

AP – Nas suas experiências utilizou leveduras como modelo celular. Qual é o grau de transposição dos resultados obtidos com leveduras para a realidade das células animais?

TC – Neste caso específico, o complexo de proteínas que protege os telómeros da levedura de fissão é muito semelhante ao complexo que tem a mesma função nas células humanas. Uma grande diferença é que as leveduras conseguem compensar a diminuição do tamanho das pontas e nos humanos só uma pequena população de células o consegue fazer (as células estaminais e germinais). No entanto os mecanismos que evitam a fusão de telómeros entre si são muito parecidos. Como em qualquer outra área, as extrapolações são feitas com cuidado. Isto é, se em leveduras se sabe que determinado processo acontece de uma certa forma e que os intervenientes nesse processo são semelhantes aos intervenientes do mesmo processo em células humanas, então pode-se supor que o processo acontecerá de forma semelhante. Claro que depois isto tem de ser demonstrado mas é um ponto de partida que muitas vezes é essencial porque assim já se podem desenhar experiências muito mais focadas.

AP – O conhecimento agora produzido identifica novos alvos para controlo exógeno do ciclo e viabilidade celular?

TC – Como consequência do trabalho que nós realizamos sabemos um pouco mais sobre a forma como as pontas dos cromossomas se comportam. O conhecimento que nós obtivemos com o nosso trabalho é um ponto de partida. Agora que sabemos que existe uma marca diferencial entre as regiões que devem ser contínuas e não contínuas no ADN temos de perceber como é que a deposição dessa marca no ADN é regulada e como é que pode ser alterada. Claramente percebemos que se ao “brincarmos” e alterarmos de forma exógena essa marca podemos alterar a forma como a célula responde a quebras no seu ADN ou às pontas dos cromossomas e por consequência alterar a velocidade do ciclo celular.

AP - Qual é, na sua opinião, a potencial aplicação biotecnológica e no desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas para doenças como o cancro, que poderão estar a jusante deste seu trabalho?

TC - Perceber como é que os telómeros protegem os cromossomas de se fundirem é essencial porque essas fusões cromossómicas darão a instabilidade genómica que pode levar ao aparecimento do cancro. Assim sendo, perceber os mecanismos moleculares que evitam estas fusões é essencial. No fundo o que se espera é compreender a biologia dos telómeros para que quando a sua função está comprometida se possa actuar para a repor e evitar a instabilidade genómica e que poderá causar o cancro. Na mesma linha de pensamento esperamos compreender melhor o que se passa durante a instabilidade genómica para que se possa actuar também nesta fase e ter como alvo a destruição das células instáveis. Por fim, espera-se também conseguir controlar a divisão das células cancerígenas para poder impedir a sua proliferação. Para isto é essencial perceber a forma como as pontas dos cromossomas conferem estabilidade ao nosso genoma.



Publicada no Diário de Coimbra em 21 de Setembro de 2010