terça-feira, 19 de outubro de 2010
"A Photographia Atravez Dos Corpos Opacos"
Os últimos 150 anos foram marcados por importantes descobertas científicas que mudaram paradigmas e o dia-a-dia da sociedade em que vivemos. Contrastando com essa mudança, pode afirmar-se que, de um modo geral, a imprensa portuguesa sempre tratou com indiferença, expresso em particular na falta de rigor, o avanço da ciência produzida quer aquém, quer além fronteiras, assim como os cientistas que o protagonizaram.
Exemplo disso é o silêncio jornalístico ao redor da visita de Albert Einstein a Lisboa, a 11 de Março de 1915: nem uma única linha foi escrita pela imprensa portuguesa, e só sabemos dela através de notas do seu diário.
À procura de eventuais e raríssimas excepções, encontra-se uma e logo muito interessante, que está documentada no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (aqui) e que é contextualizada no livro “Breve História da Ciência em Portugal”, de Carlos Fiolhais e Décio Martins, publicado este ano pela Imprensa da Universidade de Coimbra e pela Gradiva.
Na primeira página do jornal O Século de 1 de Março de 1896, foi publicado um artigo extenso sob o título “A Photographia atravez dos corpos opacos” (reproduzida num artigo de Décio Martins na página do Instituto Camões l). Nele, noticiavam-se os resultados da aplicação médica de raios X, obtidos pela primeira vez em Portugal e na Universidade de Coimbra, em Fevereiro de 1896, pelo físico Henrique Teixeira Bastos.
Esta notícia e o seu conteúdo são espantosos pelo facto de os raios X só terem sido descobertos por Roentgen, três meses antes, a 8 de Novembro de 1895, em Wuerzburg, na Baviera, Alemanha. Isto significa não só que Teixeira Bastos e os seus pares portugueses estavam em contacto atento e na vanguarda do conhecimento da estrutura da matéria e das radiações electromagnéticas, mas também que existiam, no então Gabinete de Física Experimental da Universidade de Coimbra, as condições necessárias para a reprodução e validação experimental das últimas descobertas científicas. Sabe-se que esta actualidade científica deve muito aos contactos e viagens internacionais mantidas pelo físico António dos Santos Viegas, também professor em Coimbra (durante mais de 50 anos).
A notícia n' O Século implica ainda existir nessa época uma profícua colaboração interdisciplinar entre a Faculdade de Filosofia (que então albergava ciências como a Física) e a Faculdade de Medicina. De facto, essa relação de partilha de conhecimento resultou numa rápida aplicação médica das descobertas sobre a estrutura atómica que foi materializada com a criação em 1901, curiosamente o ano em que Roentgen recebe o primeiro prémio Nobel da Física (aqui), do Gabinete de Radioscopia e Radiografia no Hospital da Universidade de Coimbra.
Alguns dos instrumentos utilizados nas experiências então noticiadas podem ser vistos na exposição permanente do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra bem assim como no recentemente reaberto Gabinete de Física do século XVIII (aqui), com uma sala do século XIX, pertencente ao mesmo Museu.
Legenda da fotografia: “Mão direita de um rapaz que sofre de tuberculose óssea”.
António Piedade, escrito a 11 de Outubro e publicado primeiramente no Ciência Hoje
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