Existem muitas diferenças entre uma célula procariótica como as bactérias, e uma célula eucariótica, como as nossas.
Uma, essencial, é a de que o material genético nas células eucarióticas está confinado no interior da célula por uma membrana designada por nuclear.No caso das bactérias, o material genético está mais ou menos livre no citoplasma.
Outra, é a de que as bactérias têm um único cromossoma circular, logo sem extremidades, enquanto as células eucarióticas possuem cromossomas em forma de bastonete e com duas extremidades designadas por telómeros (do grego “telos”, final, e “meros”, parte).
Esta transição, na forma de empacotar a informação genética, de cromossoma circular para cromossomas lineares é ponto charneira na separação entre eucariotas e procariotas, no progressivo aumento de complexidade na evolução das formas de vida. Foi início de um novo paradigma na evolução biomolecular da vida que nos deu origem.
Assim, não é de estranhar que os telómeros tenham um papel fulcral em várias etapas do ciclo celular e principalmente durante a divisão celular.
Uma constante da vida é a de a função de uma determinada biomolécula ser o resultado da sua estrutura molecular. E claro, os telómeros possuem uma arquitectura adequada à sua posição extrema nos cromossomas: são o resultado da repetição de uma determinada sequência de bases do ADN que o compõe, o motivo da repetição variando entre espécies; estes motivos sequenciais permitem um arranjo tridimensional que origina não uma dupla hélice mas uma estrutura formada por quadruplexos de bases de guanina e citosina.
Sabemos que o comprimento dos telómeros se reduz a cada divisão celular e daqui surge a imagem de que eles constituem uma espécie de relógio da longevidade. Na verdade, são mais um indicador da estabilidade e qualidade da informação genética.
Outro aspecto importante é o de garantirem a individualidade de cada um dos cromossomas. Se algo correr mal durante uma divisão celular e os teloméricos faróis falharem, poderá ocorrer fusão entre dois cromossomas antes distintos. Como acontecimento anormal pode redundar, muito provavelmente, em morte celular ou desencadear uma divisão celular descontrolada e tumoral. Noutra perspectiva, a fusão cromossómica pode, em teoria, potenciar o aparecimento de uma nova espécie!
Com uma estrutura específica, os telómeros possuem uma maquinaria proteica própria para a sua síntese, replicação, manutenção e reparação. E é na identificação destas proteínas, suas funções e a forma como elas “dialogam” com as vias de regulação dos processos celulares, que se têm verificado os avanços promissores nesta área, com potenciais aplicações no desenvolvimento de novas terapêuticas para doenças terminais como o cancro.
É neste contexto que se enquadra o trabalho de Tiago Carneiro (investigador no Instituo Gulbenkian de Ciência) recentemente publicado na revista Nature: perceber como é que determinadas proteínas funcionam e permitem que os telómeros evitem que os cromossomas se fundam uns aos outros.http://www.nature.com/nature/journal/v467/n7312/abs/nature09353.html
António Piedade, publicado no Diário de Coimbra de 21 de Setembro de 2010
Sem comentários:
Enviar um comentário