quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Altruísmo Bacteriano


As bactérias, microrganismos unicelulares, colonizam o planeta Terra pelo menos há cerca de 3,8 mil milhões de anos. A sua origem sobrepõe-se à da própria vida tal qual a conhecemos.

Sobreviveram a inúmeras e profundas alterações geoclimáticas, catástrofes ditas naturais, a colisões de grandes meteoros com o Planeta. Adaptaram-se a reagir quer à crónica alteração geológica do planeta, quer a situações agudas nos seus ecossistemas. É possível afirmar que são os seres vivos melhor adaptados aos “feitios” do planeta na sua viagem cósmica.

Se pensarmos nos efeitos da acção humana sobre o planeta e constatarmos que provocamos alterações nefastas (para nós!), o que dizer da acção das bactérias sobre o condomínio Terra? Basta notar que a oxigenação da atmosfera terrestre se deveu à acção de uma espécie de bactérias púrpuras: as cianobactérias. 

O aumento, ao longo de milhões de anos, da concentração relativa de oxigénio até aos actuais cerca de 20%, influenciou decisivamente a evolução das formas de vida multicelular e mais complexas, que dele ficaram cativos para os seus processos energéticos. Mas continuaram a existir bactérias que não precisam de oxigénio para viver. Algumas, por exemplo as do género Lactobacillus vivem, sem oxigénio, no nosso intestino.

Os microbiologistas têm dificuldade em encontrar lugares no planeta explorado que não estejam colonizados por bactérias. Há bactérias, designadas por extremófilas, que vivem em condições de temperatura, pressão e salubridade incompatíveis para a grande maioria das outras formas de vida do Planeta. Há um microrganismo, a estirpe 116 (Methanopyrus kandleri) que vive e reproduz-se a 122 °C!!!  

Importa dizer que, apesar de unicelulares, temos sempre de racionalizar as bactérias colocando o acento tónico na sua disseminação em colónias de bilhões de indivíduos! E que ocorre uma constante troca de informação, quer através de moléculas simples quer através de outras complexas, como as dos genes, entre a maior parte das bactérias da colónia.

Aliás, podemos, sem exagerar, notar a existência de uma forma refinada de informação bacteriana disseminada em rede e acessível em qualquer ponto da biosfera!

Assim, não é de estranhar que as bactérias tenham incorporado na sua máquina de sobrevivência estratégias para alertar os vizinhos colonos quando são alvo de agressões à sua integridade e sobrevivência.

É o que acontece com a resistência aos antibióticos. Aliás, muitos dos que usámos primeiramente são produzidos por bactérias. De facto, no combate às que nos causam doenças, utilizamos uma estratégia composta por armas bioquímicas forjadas no cadinho primevo da própria vida.

Recentemente, microbiologistas norte-americanos, de vários institutos e universidades do condado de Massachusetts, descobriram que o indol, produto da degradação do aminoácido triptofano no metabolismo bacteriano (presente de forma abundante nas fezes humanas conferindo-lhes um odor fecal característico), é uma molécula sinalizadora de stress ambiental entre bactérias da mesma espécie.

Sempre que uma bactéria é atacada por antibiótico, ela activa uma série de processos bioquímicos para sobreviver enquanto indivíduo, mas também para “avisar” as restantes bactérias da colónia da agressão.

Assim, através da difusão da “palavra” indol as bactérias da colónia activam processos bioquímicos que as tornam mais resistentes (aumento da actividade de bombas que expulsam o antibiótico do interior da bactéria; activação de processos antioxidantes). E para isso excreta indol como grito de aviso. Ao estudar o comportamento dinâmico de uma colónia de bactérias modelo, neste caso a Escherichia coli, face a doses crescentes de antibióticos, os autores do estudo publicado na revista Nature (http://www.nature.com/nature/journal/v467/n7311/full/nature09354.html) verificaram que bactérias isoladas resistem muito menos aos antibióticos do que a colónia como um todo.

Por outro lado, identificaram um comportamento semelhante ao “altruísmo humano”: algumas bactérias da colónia “sujeitam-se” a uma luta individual contra o antibiótico para encontrar uma forma de resistência. Se por um lado se colocam individualmente em perigo, o custo da sua perda resulta, por “tradição adaptativa”, na “descoberta” de uma solução de sobrevivência para a colónia como um todo!

Note-se que este comportamento “altruísta” ter-se-á optimizado ao longo da evolução bacteriana, biliões de anos antes de os primeiros mamíferos deixarem os primeiros rastos na Terra.

Uma vez que há mais bactérias no nosso intestino do que células no nosso corpo, apetece perguntar, ironizando, se haverá mais altruísmo e caridade nas nossas vísceras do que na inteira humanidade?

António Piedade, 21 de Setembro de 2010

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