domingo, 26 de setembro de 2010

TELETRANSPORTE



Q
uantas vezes não desejamos poder viajar instantaneamente entre o lugar em que nos encontramos e um outro mais aprazível e distante, num abrir e fechar de olhos? Viajar à velocidade do pensamento, como se fosse possível materializarmo-nos no local distante desejado, foi e é tema recorrente de muitas obras de ficção científica. Entre elas, talvez a mais conhecida que utiliza esta ideia tenha sido “O Caminho das Estrelas” (Star Treck, no original inglês), série de ficção científica primeiramente feita para televisão na década de 80 do século passado e mais tarde transposta para o cinema. Em “O Caminho das Estrelas”, os famosos tripulantes da nave U.S.S. Enterprise (ver foto) tinham a possibilidade de, para além de viajarem pelo espaço a velocidades enormes, se teletransportarem entre a nave (na sala de transporte) e um local escolhido de um planeta visitado, ou para a sala de transporte de uma outra nave. Para isso bastava colocarem-se em locais apropriados da sala de transporte e, depois de o operador seleccionar o destino pretendido e premir um simples botão, um feixe de energia desmaterializava os personagens que se “evaporavam” da nave para depois voltarem a corporizar-se no local distante escolhido. Esta viagem era efectuada num piscar de olhos e, aparentemente, os viajantes não sofriam quaisquer danos. Na imaginação dos autores da série, o processo de teletransporte consistia em recolher a informação total sobre a composição do viajante, em que a posição relativa de cada átomo era rastreada. Toda a informação era então primeiramente transferida como se fosse uma transmissão de televisão e, imediatamente a seguir, concentrada no local de destino onde os átomos do viajante eram novamente colocados na posição correcta como se se tratassem de peças de Lego.
Apesar de o teletransporte de matéria organizada continuar a ser algo que só existe no imaginário da ficção científica, este assunto tem sido alvo do interesse de várias equipas de cientistas. Contudo, estes deparam-se com vários problemas teóricos e tecnológicos, entre os quais existe um que pertence ao domínio da Física Quântica, fundamental e intrínseco à própria natureza da matéria e que foi enunciado pelo Físico Heisenberg. Designado por “princípio da incerteza”, o seu conteúdo diz-nos que não é possível saber simultaneamente a posição e a energia de uma partícula subatómica com a mesma precisão. Isto é assim uma vez que para sabermos a posição de uma partícula é necessário observá-la e para isso é necessário interagir com ela de alguma forma. Ao fazê-lo estamos, contudo, a alterar alguma coisa: a posição dela ou a sua energia. A implicação disto para o assunto do teletransporte é o de que existe esta barreira de incerteza para que possamos construir um equipamento que consiga recolher simultaneamente toda a informação sobre a posição e a energia das partículas que nos compõem, para depois poder de alguma forma enviar essa informação para outro lugar e reconstruir uma cópia exacta!
Desde há alguns anos o Professor Anton Zeilinger, da Universidade de Viena, na Áustria, tem vindo a trabalhar e a desenvolver idéias sobre “Teletransporte Quântico” (http://www.quantum.univie.ac.at/zeilinger), sendo talvez mais conhecidas as suas experiências com “fotões entrelaçados”, partículas descritas por possuírem as mesmas propriedades e que se “transformam” da mesma maneira onde quer que estejam, apresentando ainda a propriedade de adquirirem instantaneamente qualquer modificação ocorrida pela outra. Imagine: se um dos fotões entrelaçados mudar de cor o seu “companheiro” muda instantaneamente para a mesma cor e vice versa.
Este assunto, que foi capa do número de Abril de 2000 da revista Scientific American, volta a surgir agora na primeira página da edição desta semana da prestigiada revista Nature. Num artigo publicado na edição de 17 de Junho (M. Riebe et al. Deterministic quantum teleportation with atoms, Nature, 2004, 429, 734 – 737) uma equipa de cientistas, da qual Zeilinger também faz parte, do Instituto de Informação e Óptica Quântica de Innsbruck, na Áustria, comunicou os seus resultados sobre teletransporte quântico, anunciando que conseguiram, pela primeira vez, teletransportar informação de um átomo para outro. Os investigadores afirmam ter conseguido transferir informação quântica de um átomo de cálcio para outro átomo de cálcio, a uma temperatura próxima do zero absoluto (273ºC negativos). Realizar as experiências a esta temperatura é imprescindível uma vez que no zero absoluto todo o movimento atómico pára! Imobilizando desta forma os átomos de cálcio, os cientistas utilizaram as tais partículas entrelaçadas para provocar a transferência de informação: dois átomos com as mesmas características com fotões entrelaçados numerados por 2 e 3, no zero absoluto. Quando, por exemplo, o átomo 2 foi de determinada forma modificado por uma outra partícula numerada por 1, a alteração assim provocada transferiu-se imediatamente para o átomo de cálcio numerado com o 3 e que estava “entrelaçado” com o átomo número 2!
Uma das aplicações tecnológicas destas experiências é o desenvolvimento de “computadores quânticos”, caracterizados por possuírem uma velocidade de processamento de informação muito superior à dos actuais (que são binários) assim como poderem ter uma quase infinita capacidade para armazenar informação.
Enquanto aguardamos com espanto pelo avanço nesta área, não podemos deixar de ficar um pouco cépticos com este próprio conhecimento. Mas perante esta situação não posso deixar de citar uma frase famosa do cientista Sir Arthur C. Clarke, inventor do satélite de comunicações:

Toda a tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da pura magia”.


António Piedade, escrito em 2004

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