sexta-feira, 24 de setembro de 2010

HORMONAS INCRETINAS E DIABETES


A diabetes mellitus tipo 2, vulgarmente designada só por diabetes, é uma doença cardiometabólica complexa, caracterizada por um aumento de glicose (açúcar) no sangue, ou hiperglicemia, crónica. A glicose é o principal “combustível” para as células de todo o corpo. A sua concentração no sangue aumenta após uma refeição, devido à digestão dos alimentos, ou quando precisamos de um reforço de combustível celular, por exemplo durante esforço físico intenso ou durante uma situação de perigo como resposta normal do organismo para podermos agir, lutar ou fugir. A sua concentração no sangue diminui nos intervalos entre as refeições ou nos períodos de jejum prolongado. Mas quando a sua concentração no sangue está continuamente acima do normal, a glicose desencadeia processos patológicos, como sejam o aumento do risco cardiovascular, insuficiência renal, problemas visuais, entre outros.

A regulação fisiológica da glicemia é um processo complexo que não cabe explicar nesta crónica. Contudo, o papel da hormona insulina é indispensável. Produzida por células especializadas no pâncreas, a insulina funciona como uma chave possibilitando que a glicose seja assimilada pelas células. Na falta de insulina, ou se o receptor dela (fechadura) estiver ausente ou não funcional, a glicose não entra para as células permanecendo na corrente sanguínea. Por isso, a insulina foi e ainda é a principal personagem farmacêutica no tratamento da diabetes.

Recentemente, descobriu-se que a ocorrência de hormonas segregadas por células especializadas nos intestinos, conhecidas desde 1902 e rebaptizadas por La Barre, em 1932, como hormonas incretinas [1], desempenham um papel importante no desenvolvimento e progressão da diabetes [2].

Após a ingestão de alimentos, principalmente se forem ricos em hidratos de carbono (como os cereais), verifica-se, durante o trânsito intestinal e absorção dos nutrientes, a secreção para o sangue de duas hormonas incretinas: o peptídeo insulinotrópico glicose-dependente ou GIP (do inglêsgastric inhibitory peptide), e o peptídeo tipo glucagina-1 ou GLP-1 (do inglês glucagon-like peptide-1).

















Estas hormonas incretinas actuam sobre as células dos ilhéus de Langerhans pancreáticos, “avisando-as” de que o organismo recebeu glicose e que, por isso, é preciso segregar insulina para que aquela possa ser assimilada a nível celular.

Sabemos hoje que estas hormonas actuam de forma glicose-dependente, estimulando a secreção de insulina pelas células beta, e inibindo a secreção de glucagina (outra hormona relacionada com o controlo da glicemia) pelas células alfa, dos ilhéus de Langerhans pancreáticos [2,3].

Estes mensageiros bioquímicos, qual correio expresso, são eliminados da circulação ao fim de cerca dois minutos, por uma (ou um) enzima a eles especifica(o): a dipeptidil peptidase-4, ou DPP-4 [4]. Ou seja, os intestinos, em resposta à absorção de glicose, comunicam ao pâncreas, através das incretinas, a necessidade de mais insulina mas não durante muito tempo. E porquê? Porque uma produção continuada de insulina faria com que a concentração de glicose no sangue caísse para valores também perigosos: é sempre preciso um mínimo de glicose para o normal e continuado funcionamento das células. Sem glicose o organismo “desliga-se”.

Contudo, em situação patológica como a diabetes em que se verifica uma hiperglicemia continuada, seria conveniente manter as incretinas a circular durante mais tempo, de forma a estimular a secreção pancreática de insulina e diminuir a de glucagina. Isto seria naturalmente possível se a acção proteolítica da DPP-4 fosse inibida durante um período de tempo conveniente.

Este tipo de racionalização tem ocasionado, nos últimos anos, uma atenção crescente da indústria farmacêutica sobre as incretinas e levado ao desenvolvimento de novas farmacoterapias, de toma oral, que visam inibir a DPP-4 e assim manter as incretinas durante mais tempo em circulação sanguínea. Estudos clínicos recentes mostram, de facto, que esta estratégia terapêutica permite controlar a glicemia sem algumas das inconveniências da terapêutica baseada na injecção periódica de insulina e pode devolver mais qualidade de vida aos doentes diabéticos [5].

















Referências:















(1) E. Zunz and J. La Barre, Contributions a l'etude des variations physiologiques de la secretion interne du pancreas. Relations entre les secretions externe et interne du pancreas, Arch. Int. Physiol. Biochim., 31 (1929) 20-44.







(2) J. Girard, The incretins: From the concept to their use in the treatment of type 2 diabetes. Part A: Incretins: Concept and physiological functions,Diabetes & Metabolism, 34 (2008) 550-559.Your browser may not support display of this image. doi:10.1016/j.diabet.2008.09.001







(3) R. Burcelin, M. Serino and C. Cabou, A role for the gut-to-brain GLP-1-dependent axis in the control of metabolism, Curr. Op. in Pharmacology, 9 (2009) 744-752. doi:10.1016/j.coph.2009.09.003







(4) D.J. Drucker and M.A. Nauck, The incretin system: glucagon-like peptide-1 receptor agonists and dipeptidyl peptidase-4 inhibitors in type 2 diabetes, Lancet, 368 (2006) 1696-1705. doi:10.1016/S0140-6736(06)69705-5







(5) L.L. Nielson, Incretin mimetics and DPP-IV inihibitors for the treatment of type 2 diabetes, Drug Discovery Today, Reviews, 10 (2005) 703–710 doi:10.1016/S1359-6446(05)03460-4

















António Piedade, publicado primeiro no semanário "O Despertar" e republicado aqui

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