quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Novos autores no Blogue De Rerum Natura

Passei a ter lugar sentado mas não parado na lista de membros do De Rerum Natura. 



"Como se pode ver pela ficha ao lado, passa a haver novos membros do DeRerum Natura. Além das incorporações óbvias e naturais de António Piedade, bioquímico, e João Boavida, professor, os dois a residir em Coimbra, que de há uns tempos a esta parte têm vindo a escrever regularmente neste blogue, entram Filipe Oliveira, matemático na Universidade Nova de Lisboa e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, e Miguel Gonçalves, editor na cidade do Porto, coordenador nacional da PlanetarySociety e colunista do jornal "I". Sejam bem-vindos!"
http://dererummundi.blogspot.com/2010/11/novos-autores-no-de-rerum-natura.html

Naturalmente sinto-me honrado.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

"A Photographia Atravez Dos Corpos Opacos"





Os últimos 150 anos foram marcados por importantes descobertas científicas que mudaram paradigmas e o dia-a-dia da sociedade em que vivemos. Contrastando com essa mudança, pode afirmar-se que, de um modo geral, a imprensa portuguesa sempre tratou com indiferença, expresso em particular na falta de rigor, o avanço da ciência produzida quer aquém, quer além fronteiras, assim como os cientistas que o protagonizaram.

Exemplo disso é o silêncio jornalístico ao redor da visita de Albert Einstein a Lisboa, a 11 de Março de 1915: nem uma única linha foi escrita pela imprensa portuguesa, e só sabemos dela através de notas do seu diário.

À procura de eventuais e raríssimas excepções, encontra-se uma e logo muito interessante, que está documentada no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (aqui) e que é contextualizada no livro “Breve História da Ciência em Portugal”, de Carlos Fiolhais e Décio Martins, publicado este ano pela Imprensa da Universidade de Coimbra e pela Gradiva.

Na primeira página do jornal O Século de 1 de Março de 1896, foi publicado um artigo extenso sob o título “A Photographia atravez dos corpos opacos” (reproduzida num artigo de Décio Martins na página do Instituto Camões l). Nele, noticiavam-se os resultados da aplicação médica de raios X, obtidos pela primeira vez em Portugal e na Universidade de Coimbra, em Fevereiro de 1896, pelo físico Henrique Teixeira Bastos.

Esta notícia e o seu conteúdo são espantosos pelo facto de os raios X só terem sido descobertos por Roentgen, três meses antes, a 8 de Novembro de 1895, em Wuerzburg, na Baviera, Alemanha. Isto significa não só que Teixeira Bastos e os seus pares portugueses estavam em contacto atento e na vanguarda do conhecimento da estrutura da matéria e das radiações electromagnéticas, mas também que existiam, no então Gabinete de Física Experimental da Universidade de Coimbra, as condições necessárias para a reprodução e validação experimental das últimas descobertas científicas. Sabe-se que esta actualidade científica deve muito aos contactos e viagens internacionais mantidas pelo físico António dos Santos Viegas, também professor em Coimbra (durante mais de 50 anos).

A notícia n' O Século implica ainda existir nessa época uma profícua colaboração interdisciplinar entre a Faculdade de Filosofia (que então albergava ciências como a Física) e a Faculdade de Medicina. De facto, essa relação de partilha de conhecimento resultou numa rápida aplicação médica das descobertas sobre a estrutura atómica que foi materializada com a criação em 1901, curiosamente o ano em que Roentgen recebe o primeiro prémio Nobel da Física (aqui), do Gabinete de Radioscopia e Radiografia no Hospital da Universidade de Coimbra.

Alguns dos instrumentos utilizados nas experiências então noticiadas podem ser vistos na exposição permanente do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra bem assim como no recentemente reaberto Gabinete de Física do século XVIII (aqui), com uma sala do século XIX, pertencente ao mesmo Museu.


Legenda da fotografia: Mão direita de um rapaz que sofre de tuberculose óssea”.


António Piedade, escrito a 11 de Outubro e publicado primeiramente no Ciência Hoje

O COMBOIO NOBEL





Alfredo estava muito entusiasmado. Ele e o seu avô Bernardo iriam fazer uma viagem no Comboio Nobel. O avô tinha bilhetes para três estações virtuais e nelas iriam conhecer as descobertas galardoadas com os prémios Nobel deste ano da Fisiologia ou Medicina, da Física e da Química.

O avô Bernardo chegou bem cedo, logo após a alvorada solar. Afagou-o com o abraço de quem conhece bem os atalhos que a ansiedade sulca na substância do pensamento. Entregou-lhe três bilhetes, um para cada estação, e lá foram em direcção à partida do comboio Nobel.

Bem instalados, Alfredo contemplou as paredes forradas com o espanto de outras descobertas. Olhou para o primeiro bilhete com a data de 4 de Outubro e, num abrir e fechar de olhos, viu pela janela a placa da primeira estação: Fisiologia ou Medicina.

O comboio Nobel parou suave e instantaneamente. Alfredo e o seu avô saíram e pisaram um chão como que feito de gelatina. Era gel de agarose, uma substância gelatinosa que os cientistas usam para várias coisas, entre elas para cultivar células, disse-lhe o avô. À medida de alguns passos, um enorme oócito II e o seu inseparável 1º glóbulo polar, pairavam majestosamente sobre eles.

Envolto pelas glicoproteínas constituintes da zona pelúcida, a célula germinativa femimina parecia iluminada por uma áurea interna. Enquanto a ponta romba de uma pipeta mantinha o oócito II a pairar levemente por cima deles, de uma outra pipeta muito mais fina eram inoculados espermatozóides. Alfredo e o seu avô assistiam espantados a uma fertilização in vitro (FIV).

Desenvolvida por Robert Edwards, o galardoado deste ano, a FIV daria origem em 1978 ao primeiro bebé-proveta, a Louise Brown. Desde então, cerca de 4 milhões de crianças já nasceram graças à FIV. Alfredo sorriu e abraçou o seu avô ao presenciar a fusão cariogâmica e o sequente emparelhamento dos cromatídeos paternos e maternos em 23 pares de 46 cromossomas.

De volta ao Comboio Nobel, Alfredo olhou para o bilhete que tinha inscrito 5 de Outubro. Viu pela janela que o seu pensamento já estava na estação da Física. Ao sair do Comboio pisou o que parecia uma rede muito fina tecida com átomos de carbono (C), estes dispostos nos vértices de inúmeros hexágonos contíguos. Tinha a mesma estrutura bidimensional de uma única camada da grafite do lápis que avô trazia no bolso e designava-se por grafeno.

Em 2004, Andre Geim e Konstantin Novoselov, os galardoados deste ano, conseguiram isolar uma monocamada de grafeno e descobriram que este arranjo de átomos de carbono possuía certas propriedades eléctricas, térmicas e mecânicas, entre outras, com potenciais e excitantes aplicações nanotecnológicas.

O avô Bernardo gracejou: talvez a grafite do seu lápis desse, no futuro, para fabricar dispositivos electrónicos mais eficientes, mais pequenos, mais robustos. Talvez um supercomputador minúsculo estivesse por desenhar com a grafite do seu lápis! Alfredo olhou para a ondulante nuvem de electrões que fluía pelos átomos de carbono em arquitectura hexagonal e pressentiu invenções ainda escondidas adentro da imaginação.

Sentado de novo no Comboio, olhou para o último bilhete com a curiosidade reforçada pelas estações anteriores. O dia 6 de Outubro era a data que correspondia à próxima estação, e a Química o território em que esta se edificava.

Saíram do Comboio e entraram para um enorme erlenmeyer, vaso reaccional da próxima emoção. No centro, incansável, um átomo de paládio (Pd) aproximava átomos de carbono até à justa medida para que uma ligação covalente se estabelecesse entre eles. Depois, o composto assim formado "desprendia-se" do paládio catalisador que retomava o princípio sem se gastar.

Os galardoados deste ano desta estação foram Richard Heck, Ei-ichi Negishi e Akira Suzuki, químicos muito relevantes. O avô Bernardo acrescentou que eles desenvolveram em particular uma reação designada por acoplamento cruzado catalisado por paládio, um dos processos mais sofisticados da química actual.

São reações usadas quotidianamente em indústrias tão distintas como a petrolífera e a farmacêutica. Permitem uma mais eficaz e menos poluente síntese de substâncias que usamos todos os dias. Alguns complexos de paládio são usados na quimioterapia de certos cancros. E até os dentistas, disse o avô entre dentes, usam ligas de paládio para polimerizar em vez de chumbar as crateras das cáries dentárias!

De regresso ao Comboio Nobel, Alfredo e o seu avô sentiam-se mais ricos e felizes. De certo modo tinham experienciado as descobertas científicas que foram este ano distinguidas com o prémio Nobel.

Alfredo pegou no lápis do avô, descreveu o que vira e desenhou dispositivos imaginados que escoavam da grafite.


António Piedade, escrito a 12 de Outubro e publicado no Boas Notícias

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A INSULINA E A INSUFICIÊNCIA RENAL





A hormona Insulina, produzida pelas células do tipo beta dos ilhéus de Langerhans, encontrados no pâncreas, está há muito associada à regulação do metabolismo do açúcar glicose. Como é sabido, perturbações na sua acção levam naturalmente ao desenvolvimento da condição conhecida por Diabetes.

O principal papel bioquímico estabelecido para a insulina, em termos muito gerais, é o de interagir especificamente com processos que facilitam a assimilação de glicose por parte das células de determinados tecidos. Por exemplo, em células como as dos tecidos musculares e adiposo, a presença de insulina é condição essencial para que a glicose possa entrar para dentro da célula. Recorde-se que a glicose é essencial como fonte de energia para a actividade celular.

Na ausência ou em concentrações insuficientes de insulina, a glicose não é facilmente assimilada pelas células e a sua concentração no sangue tende a aumentar para valores característicos da condição designada por hiperglicémia. A continuação desta condição, por um tempo mais ou menos longo, desencadeia perturbações mais ou menos graves em vários sistemas como o circulatório e o renal, entre outros. De facto, a excessiva concentração de glicose no sangue, e de forma crónica, causa danos, muitas vezes irreversíveis, sobre estruturas funcionais de vários órgãos. Por isso, o conhecimento geral atribui à insulina um papel central na regulação da concentração plasmática de glicose. Mas, sabe-se hoje, a insulina desempenha muitos outros papéis.

Por outras palavras, sabia-se que a insulina regula inúmeras vias metabólicas ligadas à homeostase da glicose. Mas são pouco mencionados outros papéis da insulina que, apesar de poderem parecer secundários, contribuem no mínimo para o normal funcionamento do organismo como um todo.

Sabe-se que a insuficiência renal pode ser originada ou acentuada pelo menos indirectamente por uma insuficiência insulínica. Mas o que não se sabia e foi agora publicado num artigo na revista Cell Metabolism, na sua edição de 6 de Outubro (aqui) é que a presença de insulina influencia a estrutura e a função normal de um grupo particular de células renais especializadas, os podócitos (células do epitélio glomerular renal e com aspecto “tentacular”), cuja actividade é essencial para que o rim consiga filtrar o sangue e com um papel especial na retenção de proteínas importantes. Os autores do artigo descobriram que, quando a insulina deixa de sinalizar os podócitos, estes cessam a sua actividade filtrante, causa directa para uma deficiente função renal. Ou seja, a presença ou não de insulina modela, desta forma, a função dos rins e estes precisam desta hormona para funcionar bem.

O conhecimento deste mecanismo regulador da função renal dependente de insulina vem contribuir não só para um melhor conhecimento dos mecanismos moleculares da doença diabética a nível renal, mas principalmente para uma compreensão mais fina, a nível molecular, da regulação do funcionamento renal.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

PRÉMIO NOBEL DA QUÍMICA

Richard F. Heck
Ei-ichi Negishi
Akira Suzuki

Richard F. Heck

Ei-ichi Negishi

Akira Suzuki











O Prémio Nobel da Química foi atribuído pelos trabalhos desenvolvidos por Richard F. Heck, Ei-ichi Negishi e Akira Suzuki no estabelecimento de reacções de síntese orgânica de compostos de carbono por acoplamento cruzado catalisado por complexos de paládio.
É uma dos processos de síntese orgânica catalítica usados num amplo espectro de indústrias: desde a quimioterapia de determinados cancros à electrónica e agricultura.





muito mais informação aqui

terça-feira, 5 de outubro de 2010

INSULINA NA DOENÇA RENAL





Uma determinada doença renal pode ser o resultado de uma deficiente sinalização mediada por insulina. Esta descoberta desafia o conhecimento estabelecido.


G.I. Welsh, et al., "Insulin signaling to the glomerular podocyte is critical for normal kidney function,"Cell Metabolism, 12:329-40, 2010.
http://www.cell.com/cell-metabolism/fulltext/S1550-4131(10)00302-5



http://www.the-scientist.com/news/display/57735/
http://www.the-scientist.com/blog/display/57672/



Tráfego Luminoso


"Visualizing proteins is crucial for understanding normal cell function, yet current labeling methods are limited. Despite their remarkable specificity, GFP-type proteins are too bulky, often exceeding the size of their protein targets—thus interfering with their function and trafficking—and the only small peptide label in use is toxic to cells. To address this, Alice Ting from the Massachusetts Institute of Technology and colleagues developed an enzyme-mediated intracellular protein label that’s small, highly specific, and not toxic.

Read more:Light traffic - The Scientist - Magazine of the Life Scienceshttp://www.the-scientist.com/2010/10/1/67/2/#ixzz11VkvWeqX"

C. Uttamapinant et al., “A fluorophore ligase for site-specific protein labeling inside living cells,”Proc Natl Acad Sci USA, 107:10914-19, 2010.Free F1000 Evaluation

A CIÊNCIA EM 1910

Rutherford ainda jovem.


Enquanto em Portugal se punha fim a cerca de oito séculos de monarquia, por esse mundo fora outras descobertas se anunciavam, fruto da experimentação pelo método científico.

Muitas dessas descobertas viriam a exercer uma profunda transformação sobre a organização da sociedade, ao trespassar a revolução industrial com a força motriz das tecnologias que, cem anos depois, são agora fundamentos indispensáveis de qualquer sociedade e independentemente do regime político.

Em 1910 E. Rutherford fazia experiências que conduziam no ano seguinte à descoberta do núcleo atómico e à formiulação de um modelo atómico ainda hoje actual, o qual, resultando da interpretação de evidências experimentais, foi epicentro para muitos desenvolvimentos científicos sequentes sobre a estrutura da matéria e a relação entre matéria e energia.

O geofísico H.F. Reid apresentou o primeiro modelo geológico sobre a causa dos terramotos: a teoria do ressalto elástico. Reid elaborou a sua teoria a partir de observações de campo efectuadas após o grande terramoto de São Francisco, em 1906. Também em 1910, F.B. Taylor propôs que os continentes se moviam sobre a litosfera terrestre e que uma região menos profunda no atlântico (a dorsal meso-atlântica) marca a linha de partida da separação dos continentes africano e sul-americano.

T.H. Morgan descobriu, em 1910, que certas características hereditárias estão ligadas ao género sexual, resultado dos seus trabalhos fundamentais sobre mutações efectuados no secular modelo animal da genética, a pequena mosca do vinagre (Drosophila melanogaster), que nos ajudou a compreender como é que os genes funcionam.

O matemático Ernst Steinitz escreveu, em 1910, a Teoria Algébrica dos Corpos, artigo basilar da álgebra moderna. É a base abstracta da Teoria dos Grupos e outras que influenciaram a físiac e a economia no século XX.

O ano de 1910 também acolheu a síntese, por P. Ehrlich e S. Hata, da molécula Salvarsan ou “bala mágica 606” que, para além de se apresentar como cura para a sífilis (que não distinguia monárquicos de republicanos!), marca o início da quimioterapia moderna. Noutra perspectiva da luta contra germes, e nesse mesmo, ano Frank Woodbury introduziu o uso de tintura de iodo como desinfectante de feridas.

E, enquanto em Paris a luz néon era introduzida por Georges Claude, do outro lado do canal da Mancha o físico W.H. Bragg descobria como é que os raios X e gama permitiam a condução de electricidade em tubos contendo gases rarefeitos e fazia notar que as ondas daqueles raios se comportavam também como partículas neste processo.

1910 é, de facto, um ano repleto de efemérides centenárias.

Entrevista ao Historiador de Ciência Professor Doutor Décio Ruivo Martins



António Piedade – A Implantação da 1ª República altera de alguma forma o ensino das Ciências na Universidade de Coimbra?

Décio Ruivo Martins – Na Universidade de Coimbra, desde a Reforma Pombalina da Universidade, o ensino das ciências era da responsabilidade de duas Faculdades: de Filosofia e de Matemática. Ao longo de todo o século XIX verificou-se sempre uma complementaridade científica e pedagógica destas duas instituições. As sucessivas reformas que se observaram tiveram por base aquele princípio, embora sempre tivessem um estatuto de autonomia na organização universitária. Também se verificou alguma articulação com a Faculdade de Medicina.

A ideia de criação de uma Faculdade de Ciências em Coimbra é muito anterior a 1911. Cerca de 50 anos antes, em 1866, começaram a ser discutidos nos meios académicos três cenários para a reorganização do ensino das Ciências na Universidade de Coimbra.
- Fusão das duas Faculdades de Filosofia e Matemática, numa só Faculdade de Ciências, com um organograma curricular com 16 cadeiras, divididas em 3 secções.
- Designar a Faculdade de Filosofia como Faculdade Central de Ciências.
- Divisão da Faculdade de Filosofia, sem a integração da Faculdade de Matemática, em três secções: Ciências Físico-Químicas; Ciências Histórico-naturais; Ciências aplicadas. Cada uma delas com onze cadeiras distribuídas por cinco anos.

A 9 de Janeiro de 1867 o Conselho da Faculdade Filosofia principiou a discussão de um projecto de reforma. Neste Conselho foi proposta a divisão em três secções, compreendendo a primeira as sciencias physico–chimicas, a segunda as historico–naturaes, e a terceira as sciencias technologicas.Este projecto voltaria a ser discutido a 19 de Janeiro de 1867, no qual foi votada uma proposta de fusão das Faculdades de Filosofia e Matemática numa só Faculdade de Ciências. Esta proposta foi rejeitada, sendo contudo de realçar a antecipação com que a reorganização do ensino que conduziu à criação da Faculdade de Ciências começou a germinar.

Esta questão voltou a ser objecto de debate nos meios académicos. A 6 de Maio de 1882 voltou a ser debatida a proposta de divisão da Faculdade de Filosofia em duas secções: sciencias physico–chimicas, e historico–naturaes. O Conselho da Faculdade de Filosofia voltou a expressar o desejo de uma reunião efectiva com a Faculdade de Matemática, resolução que, no entanto, não dependia exclusivamente da vontade expressa pelo corpo docente daquela Faculdade. Apenas na reforma de 1901 foi formalizada a divisão da Faculdade naquelas duas secções.

Estes acontecimentos permitem admitir que um dos cenários defendidos em 1867 poderia ter conduzido a uma profunda reforma do ensino que anteciparia em cerca de um século a criação de uma Faculdade de Ciências e Tecnologia em Coimbra, caso a criação da secção de sciencias technologicas tivesse tido melhor acolhimento. Se assim tivesse acontecido, muito provavelmente, neste momento teríamos uma escola de engenharia a comemorar um século e meio de existência. Foi neste contexto que chegámos em Coimbra a 1911.

AP - Detecta-se alguma expansão no número de alunos que frequentam a então nova Faculdade de Ciências?

DRM - Em relação ao número de alunos, no ano lectivo de 1909/1910 as Faculdades de Filosofia e de Matemática foram frequentadas por 246 alunos, número que aumentou para 368 no ano seguinte. No ano lectivo de 1911/1912 (primeiro ano de funcionamento Faculdade de Ciências) estavam matriculados 354 alunos, e em 1912/1913, 382 alunos. Deste modo, verificou-se um crescimento muito lento mas constante do número de alunos. Este facto demonstra que a entrada em vigor da nova organização da Faculdade, aparentemente não provocou alterações significativas, pelo menos no número de alunos, que pudessem cobrir as necessidades do país.

AP - E no que diz respeito às eventuais colaborações entre a investigação que por cá se fazia com aquela que florescia, paradigmaticamente, no seio da comunidade científica internacional?

DRM – A produção científica em Portugal no início do século XX não atingiu o brilhantismo observado noutros países europeus. Contudo, as viagens científicas ao longo de toda a segunda metade do século XIX e início do século XX, realizadas pelos professores das Faculdades de Filosofia e de Matemática da Universidade de Coimbra, posteriormente Faculdade de Ciências, possibilitaram o contacto com os mais conceituados centros universitários europeus, tendo algum reflexo no ensino e na natureza dos temas abordados nas teses académicas.

AP – Pode dar alguns exemplos?

DRM - António dos Santos Viegas terá sido, entre os físicos portugueses, aquele que, ao longo de toda segunda metade do século XIX, mais contribuiu para promover o desenvolvimento do ensino e incentivar a produção científica de jovens estudantes. Viegas morreu em 1914, com 79 anos de idade. Quase até ao fim da sua vida manteve uma intensa actividade ligada ao ensino da Física. Foi ele que, em 1891, instalou em Coimbra o primeiro sismógrafo e até à sua morte teve uma acção decisiva para os primeiros passos desta área científica em Portugal. Coimbra possuía o único sismógrafo que se encontrava em funcionamento em Portugal no momento do devastador sismo de 1909, com epicentro localizado perto de Benavente. Este sismógrafo ainda se encontra no Instituto Geofísico, mas, infelizmente, tal como em muitas outras situações a incúria relativamente à preservação do nosso património científico fez com que o respectivo sismograma desaparecesse dos nossos arquivos.

Os conhecimentos sobre a Física das Radiações começaram desde muito cedo a ter aplicações médicas, inaugurando em Coimbra uma tradição de colaboração entre o Gabinete de Física e a Faculdade de Medicina que se prolongou, chegando até aos dias de hoje. Disso foi exemplo a criação do Laboratório de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Em 1901, apenas cinco anos após a descoberta de raios X, o decreto nº 4, de 24 de Dezembro, estabeleceu as Bases para a Reorganização da Universidade de Coimbra. Este decreto criou o Gabinete de Radioscopia e Radiografia no Hospital da Universidade de Coimbra.

Outro exemplo foi o desenvolvimento do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra, que muito ficou a dever a Francisco da Costa Lobo, pioneiro da Astrofísica em Portugal. Em 1907 Costa Lobo visitou os principais observatórios da Europa a fim de desenvolver em Coimbra o estudo do Sol. Em 1912 começou a tomar medidas que conduziram à instalação de um espectroheliógrafo com características análogas às do que existia Observatório de Paris (Meudon), contando com o apoio de Deslandres, director do Observatório francês. Os registos feitos em Coimbra passaram a ser regularmente enviados para o Observatório de francês de Meudon, e também para Zurique, na Suíça, para serem incluídas no Bulletin for Character Figures of Solar Phenomena, uma publicação da União Astronómica Internacional, na época dirigida por William O. Brunner. Ainda hoje este instrumento se mantém em funcionamento e o Observatório de Coimbra possui uma das mais completas colecções de fotografias do Sol, cujo valor é internacionalmente reconhecido.

Outro nome incontornável foi Mário Silva. Licenciado em Coimbra em 1922, partiu passados três anos para trabalhar no Instituto do Rádio de Paris, dirigido por Madame Curie, tendo-se doutorado sob a sua orientação. Na capital francesa estudou com Langevin e de Broglie e conheceu Einstein, Bohr, Lorentz, e Thomson. Em 1929 Langevin visitou Portugal para tendo proferido uma série de conferências sobre a Teoria da Relatividade em Lisboa, Coimbra e Porto. Depois de concluir o doutoramento em Paris, Silva regressou à Universidade de Coimbra, tornando-se professor da Faculdade de Ciências e investigando em física nuclear. Com Álvaro de Matos, seu colega de Medicina, Silva criou o Instituto do Rádio de Coimbra, tendo convidado Madame Curie a vir a Coimbra inaugurá-lo. Apesar de estar pronto a funcionar e de aquela famosa cientista ter aceite vir a Coimbra, aquele que deveria ter sido o nosso primeiro Instituto de Física Nuclear e Instituto de Oncologia nunca chegou a abrir. Em 1947, Silva foi vítima de reforma compulsiva, juntamente com outros professores portugueses por ordem do governo de Salazar. Mais uma vez, e como já tinha acontecido no passado, a intolerância impedia o florescimento da actividade científica. Só pouco antes da Revolução de 1974 Silva foi reabilitado. Um dos projectos mais ambiciosos de Mário Silva foi a criação de uma Escola de Física Nuclear, em 1940, aproveitando a estadia em Coimbra de alguns dos melhores cientistas de então: Benedetti, Beck e Proca, todos eles refugiados da Segunda Guerra Mundial e todos eles com passagem pelo Instituto do Rádio em Paris. A proposta de Silva da sua contratação como professores foi rejeitada. Beck chegou a estar preso pela polícia política por ser refugiado de guerra e, juntamente com Benedetti, foi expulso do país. Beck foi para a Argentina, tendo trabalhado na Universidade de Córdoba; Benedetti notabilizou-se como professor no Carnegie Institute of Technology, nos Estados Unidos; e Proca regressou a Paris.

Noutra área científica, Aurélio Quintanilha começou a sua carreira na Universidade de Coimbra em 1919 tendo sido nomeado catedrático em 1926. O seu percurso internacional iniciou-se dois anos depois, após uma longa viagem de estudo pela Europa, passando pela Universidade de Berlim, onde estagiou com o alemão Kniep no Instituto de Fisiologia de Plantas. Após a morte deste estagiou sob a orientação de Hartmann, no Instituto Kaiser Wilhelm de Biologia (hoje na Universidade Livre de Berlim). A sua estada na Alemanha permitiu-lhe contactar com jovens cientistas que viriam a alcançar notoriedade em diversas áreas da Biologia, com destaque para a genética. Regressou a Portugal, em 1931, retomando a docência em Coimbra, mas foi expulso da função pública, em 1935.

Para já não falar de Egas Moniz, o noso Prémio Nobel em ciências, que em 1010 estava em Coimbra antes de se mudar para Lisboa no ano seguinte...

AP – E nos jornais da época? Havia divulgação de assuntos científicos e tecnológicos?

DRM – Os acontecimentos de relevo que em matéria científica iam acontecendo em Portugal, e particularmente em Coimbra, só raramente eram objecto de notícias na imprensa portuguesa. Contudo, em Fevereiro de 1896, pouco mais de um mês depois da descoberta dos raios X, fizeram-se as primeiras experiências em Coimbra, algumas delas para utilização daquele tipo de radiações no diagnóstico clínico. O material utilizado nestas experiências pode actualmente ser vista na exposição permanente do Museu da Ciência. No dia 1 de Março de 1896, o jornal O Século publicou em toda a sua primeira página um extenso artigo intitulado A Photographia atravez dos corpos opacos, onde se dava uma notícia das primeiras experiências feitas em Portugal. Esta foi, talvez, uma das raras notícias publicadas na imprensa diária, dando destaque a acontecimentos científicos noticiados pela imprensa portuguesa.

Para comprovar a indiferença com que a imprensa portuguesa tratava as questões científicas, refira-se por exemplo que Einstein desembarcou em Lisboa a 11 de Março de 1925 efectuando uma visita de um dia à capital portuguesa. Do seu diário de viagem conclui-se que esteve no Castelo de São Jorge e no Mosteiro dos Jerónimos. No entanto, à passagem por Portugal de tão prestigiado cientista a imprensa portuguesa não dedicou uma única linha. O mesmo já não sucedeu relativamente à vinda a Portugal de Paul Langevin, em Dezembro de 1929, tendo sido dado breve destaque às conferências científicas sobre a Teoria da Relatividade por ele proferidas em Lisboa, Coimbra e Porto.

O panorama da imprensa portuguesa foi sempre muito pobre relativamente aos avanços da ciência. Havia, no entanto, excepções: os jornais académicos. Devemos dar o devido destaque à revista O Instituto, que foi um dos mais importantes veículos usados para a divulgação científica e literária. Travava-se de uma revista publicada pela sociedade académica coimbrã com o mesmo nome, o Instituto de Coimbra, que, fundado em 1852, reuniu não só um vasto leque de académicos nacionais, a maior parte dos quais professores da Universidade de Coimbra, mas também académicos estrangeiros de grande prestígio internacional, numa actividade que se desenvolveu ao longo de quase século e meio. São inúmeros os artigos científicos em várias áreas publicados nesta revista ao longo da sua história. Actualmente todo o espólio do Instituto de Coimbra encontra-se à guarda da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra e a colecção completa da revista foi digitalizada, estando acessível na íntegra na Internet (aqui).

Prémio Nobel da Física

Andre Geim
Konstantin Novoselov





The Nobel Prize in Physics 2010 Andre Geim, Konstantin Novoselov







Andre Geim          Konstantin Novoselov



The Nobel Prize in Physics 2010 was awarded jointly to Andre Geim and Konstantin Novoselov "for groundbreaking experiments regarding the two-dimensional material graphene"

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Entrevista ao professor Doutor Massano Cardoso sobre tuberculose



Entrevista ao Professor Doutor Salvador Massano Cardoso, Director do Instituto de Higiene e Medicina Social da FMUC, sobre a tuberculose.

António Piedade - Segundo a OMS, a cada segundo que passa, ou seja, a cada duas palavras desta pergunta, uma nova pessoa no mundo é infectada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, causadora da tuberculose. Cerca de um terço da população mundial está infectada pelo bacilo. Pode contextualizar a epidemiologia da doença em Portugal?
Massano Cardoso - O decréscimo da prevalência da tuberculose em Portugal é, desde há muitos anos, uma realidade que merece ser destacada. Presentemente, o número de novos casos registados coloca-nos numa posição intermédia com uma taxa de incidência de 24 por 100 mil habitantes. O “desejável” seria baixar para menos de 20 por 100 mil habitantes. Quando se atingem taxas desta natureza, é preciso muito esforço para que se possa observar uma ligeira redução. Sendo assim, no futuro, é de esperar que continuemos a observar melhorias, mas, seguramente, a um ritmo lento. Em termos geográficos existe uma grande variação da incidência da tuberculose, sendo as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto as mais atingidas. Aparentemente poderá parecer um paradoxo, ou seja, as áreas mais desenvolvidas são precisamente as que apresentam taxas de incidência mais elevadas. A justificação tem a ver com os atuais fatores de risco da tuberculose, toxicodependência, infeção VIH/Sida, imigrantes, condições facilitadoras do contágio nos bairros e cinturões dos polos de atração. Quanto aos grupos de risco, os já enunciados constituem uma preocupação muito séria, a par dos tradicionais, nomeadamente profissionais de saúde. Numa perspetiva epidemiológica, um bom empenhamento e adequada coordenação na luta contra a tuberculose não deixará de continuar a dar resultados positivos. Estamos perante uma velha doença que “sabe” aproveitar todos os condicionalismos sociais, comportamentais e económicos para se manter ativa. Portugal reúne muitos desses condicionalismos.

AP - O aumento no número de pessoas infectadas é acompanhado por um aumento de mortes devidas à doença tuberculosa?
MC - A relação morbilidade/mortalidade é linear. Quantos mais casos maior o risco de morte. No caso vertente, apesar da terapêutica e do sucesso da mesma, desde que cumpridas as regras, que, diga-se em abono da verdade, nem sempre são fáceis de cumprir, já que exige adesão durante um período longo, tem-se observado casos mortais. No contexto mundial, a realidade é particularmente confrangedora, chegando nalgumas regiões do globo a ser mesmo obscena, revelando incompetência e falta de cuidados na prevenção e tratamento.

AP - Quais os factores que nos ajudam a explicar este aumento na incidência da infecção pelo bacilo de Koch? Qual o peso, neste aumento, da resistência bacteriana às terapêuticas antibióticas utilizadas?
MC - A tuberculose esteve sempre ligada a problemas de fragilidade biológica condicionada pela falta de higiene, má alimentação e superpovoamento, além de outras patologias que se acompanham de diminuição da capacidade imunológica. Nos últimos séculos terá sido a doença que mais influenciou, em termos evolutivos, a espécie humana, ao selecionar os mais resistentes que, decerto, possuirão características biológicas próprias, as quais poderão ser responsáveis por alguns problemas de saúde típicos da sociedade moderna. De qualquer modo, a par dos fatores “clássicos”, que continuam a predominar, mesmo entre nós, a “chegada” de novos comportamentos e de novas doenças contribuíram para a sua propagação. A toxicodependência é um deles, assim como a infeção pelo VIH/Sida. Estamos perante uma doença que pode e deve ser combatida a vários níveis. Talvez o mais importante é a atuação a montante, mas muito a montante, a nível social, cultural, económico e até político de um país. Trata-se de uma doença que preenche perfeitamente os requisitos para mostrar a importância da “Network Science” (Ciência das Redes). Medidas culturais, alimentares, habitacionais, organizacionais e económicas acabam por reduzir de uma forma efetiva muitas doenças, tais como: a sida, a tuberculose ou a toxicodependência que, na periferia da rede, acabam por se entrelaçar de forma muito perigosa. Estamos perante uma doença cuja terapêutica social, numa perspetiva de prevenção, é extraordinariamente eficaz. Quanto se manifesta clinicamente, o recurso aos fármacos é indispensável, podendo, na grande maioria dos casos resolver o problema. No entanto, o número de casos de tuberculose resistentes à terapêutica é uma realidade preocupante, que, aliada à falta de investigação de novos fármacos no seu combate, preocupa, e muito, os responsáveis.

AP - Os artigos agora publicados nas duas principais revistas generalistas de referência para a Medicina (The Lancet e New England Journal of Medicine), sublinham a necessidade urgente de um teste mais rápido e preciso para a detecção do bacilo de Koch e das suas estirpes mais resistentes aos antibióticos utilizados. Qual a importância do tempo de diagnóstico para o controlo do contágio e infecção e, consequentemente, no número de casos doentes?
MC - O diagnóstico precoce desta doença é vital por duas ordens de razão. A primeira, prende-se com a facilidade e rapidez da terapêutica no indivíduo sofredor, a segunda com a diminuição do risco de contágio. Não esquecer que, muitas vezes, o diagnóstico é feito já numa fase relativamente avançada da doença. Cursa silenciosamente durante algum tempo. Traiçoeiramente mina o doente, aproveitando-se do facto para se propagar. Um diagnóstico precoce permitirá um combate muito mais eficiente, e, quem sabe, controlar, no futuro, em níveis relativamente baixos. Qualquer expectativa de erradicação do bacilo de Koch é uma utopia, porque a natureza e as características do germe em questão irão, como é fácil de prever, contornar todas as nossas medidas e intervenções. O microcosmo é um mundo que vive facilmente sem o homem, mas o homem não consegue dispensá-lo. Não esquecer que o bacilo responsável pela tuberculose já existia antes de “entrarmos” neste mundo e irá continuar após o nosso desaparecimento. Um vencedor anunciado.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

OVÁRIO HUMANO ARTIFICIAL






Os ovários humanos são órgãos onde são produzidas e amadurecidas as células germinativas, ou gâmetas, femininas. Cada ovário, como qualquer outro órgão, é constituído por diferentes tipos de tecidos, cada qual com uma função anatómica e/ou fisiológica específica.

Em termos muito gerais, distinguem-se em cada ovário uma zona interna e central designada por medular, muito irrigada por vasos sanguíneos, e uma zona cortical, periférica, contendo inúmeros folículos ováricos em diferentes estádios de desenvolvimento.

É no interior de cada folículo, futuras enseadas de ovulação, que se encontram os oócitos (gâmetas femininos). No momento do nascimento do ser feminino, os ovários possuem cerca de quatro milhões de folículos, cada um, por sua vez, albergando um oócito primário. Destes, só 400 se desenvolverão em gâmetas capazes de serem fecundadas por um únicoespermatozóide.

No folículo primordial, o oócito primário encontra-se rodeado unicamente por um folheto de células designadas por granulosas. Parte destas, conjuntamente com a zona pelúcida, formarão a última barreira para a penetração do espermatozóide no óvulo. Mas as células da granulosa possuem uma actividade hormonal e reguladora insubstituível. Num sincronismo sussurrante com o oócito, espalham a notícia do estado do seu desenvolvimento, secretando para o resto do corpo feminino a hormonaestrogéneo e sublinhando, com pequenas quantidades de progesterona, a etapa libertatória da ovulação.

A granulosa secreta ainda uma outra hormona, a inibina, e outras substâncias que mantêm o oócito num determinado estado de desenvolvimento (paragem meiótica em metáfase II) numa cândida e imaculada espera.

Com o crescimento do oócito, as outras células foliculares expandem-se e formam a teca. Esta circunda o futuro óvulo, rodeado pela granulosa, e estimula esta última a secretar estrogéneo. Com o crescimento folicular, forma-se um antro líquido marginado pela teca, como se o futuro óvulo estivesse a ser treinado para “navegar”.

Diga-se, de passagem, que estas actividades secretoras estão em sintonia e dependem da concentração sanguínea de outras hormonas secretadaspela hipófise como sejam a FSH e a LH; que a granulosa desempenha papéis importantes nas primeiras etapas do desenvolvimento embrionário e na sua nidação no útero.

Neste contexto, entende-se que qualquer perturbação anormal sobre os folículos pode comprometer o desenvolvimento de células reprodutoras femininas e levar a uma situação de infertilidade. É o caso de mulheres sujeitas a tratamentos anticancerígenos que podem inviabilizar a funçãofolicular ovárica e logo a reprodutiva. Nestes casos, a préviacriopreservação de tecidos ováricos e posterior implante autólogo já permitiu o nascimento de crianças em mães entretanto sujeitas a químio- ouradioterapias.

Outra estratégia é a que foi agora publicada na revista Journal of AssistedReproduction and Genetics por investigadores da Universidade de Brown e do Women & Infants Hospital em Rhode Island (USA). Através de novas técnicas da engenharia de tecidos, mostram terem conseguido construir aarquitectura tecidular característica do folículo ovárico humano num molde 3D de gel de agarose e que este designado “ovário humano artificial” é potencialmente funcional para o amadurecimento de oócitos.

Estaremos perante uma nova esperança para a infertilidade feminina?

António Piedade