Nobel



Vamos entrar na estação Nobel.
Um a um, os vários comités Nobeis anunciarão os galardoados deste anos.

O calendário é o seguinte:
4 de Outubro o da Fisiologia ou Medicina - http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/2010/
5 de Outubro o da Física - http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/2010/
6 de Outubro o da Química - http://nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/2010/

Enquanto o momento não chega, revisitemos o que escrevi há cerca de um ano atrás sobre os prémios da Química e da Fisiologia ou Medicina.





Telómeros e Telomerase


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A história biológica de cada um começou numa única célula. Essa célulaprimeva dividiu-se num número astronómico de outras células que materializam o que somos hoje, incluindo as células dos órgãos que permitem a leitura destas linhas.

Todos os dias, milhões de células morrem no nosso corpo sendo substituídas por outras para que as funções vitais sejam efectuadas com uma harmoniosa bio-economia, contribuindo para o estado geral de saúde. No decurso deste crescimento, reposição e regeneração celular, ocorre uma complexa coreografia de fibras proteicas e outras biomoléculas que trata em dividir uma célula em duas e replicar, sem erros, biliões de informações contidas em 46 cromossomas que albergam o nosso genoma, codificado numa longa molécula de ADN (ver como exemplo aqui).

Na divisão celular, ou mitose, cada uma das células resultantes recebe uma cópia exacta de cada um dos cromossomas. A compreensão de como isto acontece foi sempre considerada decisiva para entender diversos processos celulares, incluindo o da morte celular. Como é que os cromossomas, ou melhor, o ADN que os compõe, são copiados? Quando é que a célula “sabe” que deve iniciar a copiar a informação genética? Têm as células relógios nos seus cromossomas? Como é que as extremidades dos cromossomas são copiadas e como é que ficam protegidas? Há algum “nó “no fim dos cromossomas que evite que o ADN se desenrole ou que seja “danificado”?

Inúmeros cientistas contribuíram nos últimos 70 anos para compreender a duplicação e divisão dos cromossomas. E muitos deles receberam o prémio Nobel por isso. De novo, o prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina (ver aqui) galardoou o trabalho desenvolvido nos últimos vinte anos por Elizabeth H.Blackburn, Carol W. Greider e Jack W. Szostak, sobre os mecanismos envolvidos na cópia e protecção das extremidades dos cromossomas, ouTelómeros (do grego telos, final, e meros, parte). Este trio desvendou a sequência inscrita no ADN presente nos telómeros: a sequência terminal de bases repete milhares de vezes o verso 5’-TTAAGGG-3’ (T = Timina; A =Adenina; G = Guanina) e este padrão é comum a outras espécies, desde organismos simples ao Homem. Depois descobriram que a duplicação desta sequência é efectuada por uma proteína, a Telomerase, diferente das outras proteínas que duplicam o ADN do resto do cromossoma. Identificaram ainda que esta proteína com actividade catalítica, ou enzima, contem na sua constituição um molde de outro ácido nucleico, o ARN (que difere do ADN, entre outras coisas, pelo facto da Timina estar substituída pelo Uracil). Este molde é utilizado para repor ou adicionar a sequência TTAAGGG no fim da cópia do ADN no cromossoma. Ou seja, se a telomerase não estiver presente, ou a sua actividade estiver diminuída, aquela sequência não é reposta e o cromossoma “encolhe” em cada divisão celular. Se a telomerase estiver activa fica garantida a duplicação exacta do telómero.

Sabemos hoje que a telomerase está activa em células estaminaisembrionárias mas não em células adultas somáticas. Uma constante das células tumorais e cancerígenas, que advêm das células adultas ou somáticas, é a aparente reactivação da actividade da telomerase econcomitante explosão na actividade mitótica com jeitos de imortalidade.

Embora conheçamos desde o ano 2000 (ver aqui) que o gene hTERT, que codifica a parte proteica da telomerase (que em rigor é um complexoribonucleo-protéico, com actividade transcriptase reversa), se encontra no cromossoma 5 (em rigor 5p15.33), diga-se em abono da curiosidade que outras investigações recentes nos sustentam a suspeição de uma origemviral para a telomerase (ver aqui), algo ocorrido nos primórdios dos esboçoscromossómicos que conduziram à célula eucariótica “moderna”.

Estas descobertas têm contribuído para o nosso entendimento sobre o processo natural de gestão da longitude e estabilidade de cada um dos cromossomas e logo de um certo marcador celular da “idade” histórica do indivíduo, ou envelhecimento. Isto é, um menor comprimento do telómero, indica que a célula é resultado de um já grande número de cópias e que se calhar, de igual forma que um documento fotocopiado muitas vezes, a fidelidade do que está a ser copiado em relação ao conteúdo existente naquela longínqua célula primeva é muito deficiente: está pois chegada a hora da senescência e a célula fica incapaz de se dividir.





Prémio Nobel da Química 2009


Ribossomas






É do conhecimento comum que o “manual de instruções” para a construção, funcionamento e manutenção do nosso organismo está codificado na longa molécula de ADN, por sua vez armazenada nos 46 cromossomas herdados dos nossos pais.

Essa informação é necessária para a síntese de milhões de proteínas. Estas possuem inúmeras funções como a estrutural e/ou mecânica, de que são exemplo as fibras musculares, ou a função de fomentar determinadas reacções químicas imprescindíveis à vida num intervalo de tempo compatível com a mesma vida, como sejam as proteínas (que nesta função recebem o cognome de enzimas) que “digerem” os alimentos que ingerimos em nutrientes assimiláveis pelas células, ou as que catalisam a síntese dosconstituintes celulares a partir daquela matéria-prima.

Uma questão esteve sempre no pensamento dos cientistas: como é que a informação residente no ADN é utilizada para sintetizar essas proteínas?

A resposta foi sendo dada à medida do avanço biologia molecular e estrutural e foi galardoada com vários prémios Nobel da Fisiologia ou Medicina e da Química (ver http://nobelprize.org/nobel_prizes/) com a confirmação que o ADN é a biomolécula da hereditariedade e a descoberta da sua estrutura em 1953 por Watson, CrickWilkins (Nobel 1962) e Franklin, pela elucidação dos mecanismos de síntese do ADN e ARN porOchoa e Kornberg (Nobel 1958), pela descoberta do código genético (relação entre a sequência de bases no ADN e a correspondente sequência de aminoácidos numa proteína) no início da década de 60 por Niremberg,Khorana e Holley (Nobel de 1968), elemento decisivo para traduzir a linguagem genética para a linguagem proteica. Outro avanço para a resolução deste puzzle foi a elucidação, por François Jacob e JacquesMonod (Nobel de 1965) e por Andrew Fire e Craig Mello (Nobel de 2006) dos mecanismos que permitem regular a leitura e transcrição da informação genética numa “versão”, o ARN mensageiro, que viaja do núcleo (onde estão os cromossomas) para o citoplasma celular. É aqui, junto ao núcleo, que estão presentes milhões de fábricas de tradução e síntese de proteínas: osribossomas.

Os ribossomas presentes nas nossas células são estruturas compostas por 4 moléculas de ARN e por mais de 50 proteínas associadas numa arquitecturade duas subunidades: uma maior e outra menor. Da interacção dinâmica das duas subunidades e dos seus elementos constituintes faz com que a informação transportada pelo ARN mensageiro seja descodificada ou traduzida na forma de proteínas. A subunidade maior “lê” a mensagem e transmite internamente essa informação, palavra a palavra, para a “secção” de montagem e síntese da proteína nela inscrita, na subunidade menor. OARN mensageiro atravessa assim as duas subunidades e à medida que é lido, a cadeia proteica correspondente começa a emergir do ribossoma (ver animação:http://pubs.acs.org/cen/multimedia/85/ribosome/translation_bacterial.html).
Para o entendimento dos vários passos envolvidos neste processo é importante saber qual a posição relativa e o qual o papel desempenhado por cada um dos elementos nas duas subunidades do ribossoma. Para isso é decisivo saber a posição relativa no espaço dos milhões de átomos que compõem as moléculas que formam o ribossoma. Esta cartografia atómica é possível utilizando raios X. Esta radiação, ao interagir com um cristal deribossomas, é reflectida originando padrões geométricos. Qual radiografia, os padrões são analisados segundo a lei de Bragg e, utilizando ferramentas matemáticas que transformam determinadas características dos padrões, em informação posicional dos átomos que lhes deram origem.

Foi este trabalho estrutural sobre o ribossoma que deu agora lugar à atribuição conjunta do prémio Nobel da Química a V. Ramakrishnan, T. A.Steitz e A. E. Yonath.(http://nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/2009/index.html).


António Piedade

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