Mostrar mensagens com a etiqueta Quântica. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Quântica. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Medicina Quântica 1





“Toda a tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da pura magia”

Esta é a asserção da terceira lei de Sir Arthur C. Clarke, inclusa no seu livro "Profiles of The Future", escrito em 1961. Arthur Clarke, escritor de obras de ficção científica incontornáveis, como “2001, Odisseia no Espaço”, propôs, em 1945, os fundamentos do sistema de comunicações por satélites emórbitas geoestacionárias. Fez, para isso, uso do conhecimento sobre a radiação electromagnética adquirido cumulativamente por várias gerações dos melhores cientistas da humanidade nos últimos 200 anos (Maxwell, Hertz, Weber, Faraday, Snell, Marconi, Einstein, Planck, entre outros). De facto, muita da tecnologia que sustenta a nossa sociedade actual é fruto do conhecimento que temos dos campos, da forças e das radiaçõeselectromagnéticas, de que o espectro da luz visível, estudado por Newton, é só uma pequena parte.

Desde as ondas de rádio até aos raios gama, passando pelas microondas e pelos raios X, não é difícil identificarmos actividades, processos einstrumentação, no nosso dia-a-dia, que decorrem da natureza da radiaçãoelectromagnética, que por sua vez dependem da frequência ou do comprimento de onda e da amplitude. Einstein teorizou a relação entre matéria e energia, através da famosa constante “c” que mais não é do que a velocidade a que qualquer radiação electromagnética, independentementeda sua frequência, se propaga no vazio. E Planck estabeleceu através da constante “h”, que tem o seu nome, a relação entre a energia de uma dada radiação electromagnética e a sua frequência. De facto, a velocidade de propagação das ondas electromagnéticas varia com a frequência, ou com a sua energia, se o vazio for preenchido por matéria (recorde-se que o som não se propaga no vácuo, por se tratar de uma onda mecânica e nãoelectromagnética). O meio de propagação (ar, água, metal, tecido biológico, etc.) afecta a velocidade de propagação e até a própria capacidade de penetração de uma dada radiação electromagnética, e isto proporciona-nos tecnologias muito úteis que usamos sem nos apercebermos o que está por detrás delas.

Isso é, em particular, evidente nas tecnologias da saúde e da vida. Inúmeros são os exemplos no nosso quotidiano. Um é a aplicação dos raios-X na detecção de inúmeras patologias e perturbações no organismo, determinante como auxiliar de diagnóstico, primeiro no quadro de uma medicina mais empírica e, mais recentemente, de uma medicina baseada na evidência, robustecida pela metodologia científica na minimização de erros tantas vezes fatais para o paciente. Outro exemplo é o da aplicação da radiação gama na radioterapia curativa ou paliativa de combate a determinados tipos de cancros sólidos. Ainda um outro exemplo é o da ressonância magnética nuclear, que faz uso de campos magnéticos e radiações electromagnéticas com frequências na gama das ondas de rádio e, por isso, muito menos nocivas do que, por exemplo, os raios X. Aliás, é espantoso o avanço nas técnicas de imagiologia por ressonância magnética registado nos últimos anos e tudo o que têm permitido desvendar a respeito da fisiologia do nosso corpo, mormente na neurofisiologia, conquanto permitem monitorizar uma determinada função e contextualizá-la com a anatomia envolvente.

Um último exemplo, este visto por um ângulo oposto, é o efeito nefasto que a radiação ultravioleta, proveniente do Sol, provoca no ADN das células da nossa pele, induzindo mutações e danos biomoleculares que potenciam o desenvolvimento de certas formas de cancro.

Sem o conhecimento minucioso das propriedades da interacção da radiaçãoelectromagnética com a matéria que constitui os tecidos do nosso corpo, em rigor com os átomos e moléculas que o constituem, não teria sido possível desenvolver aquelas e outras tecnologias para a saúde e da vida. Estas são áreas cientificamente bem fundamentadas e identificadas com a medicina nuclear e com a radiologia, disciplinas incluídas nos currícula para a formação de médicos e técnicos de saúde.

O mesmo não se pode dizer, por ausência de qualquer informação científica acessível, de um pretenso conhecimento científico subjacente a uma dita "medicina quântica" que se começa a instalar, adubada pelo desconhecimento que o público em geral possui sobre a física e química quânticas.

(continua)

António Piedade, publicado no Diário de Coimbra a 22 de Agosto de 2010

domingo, 26 de setembro de 2010

TELETRANSPORTE



Q
uantas vezes não desejamos poder viajar instantaneamente entre o lugar em que nos encontramos e um outro mais aprazível e distante, num abrir e fechar de olhos? Viajar à velocidade do pensamento, como se fosse possível materializarmo-nos no local distante desejado, foi e é tema recorrente de muitas obras de ficção científica. Entre elas, talvez a mais conhecida que utiliza esta ideia tenha sido “O Caminho das Estrelas” (Star Treck, no original inglês), série de ficção científica primeiramente feita para televisão na década de 80 do século passado e mais tarde transposta para o cinema. Em “O Caminho das Estrelas”, os famosos tripulantes da nave U.S.S. Enterprise (ver foto) tinham a possibilidade de, para além de viajarem pelo espaço a velocidades enormes, se teletransportarem entre a nave (na sala de transporte) e um local escolhido de um planeta visitado, ou para a sala de transporte de uma outra nave. Para isso bastava colocarem-se em locais apropriados da sala de transporte e, depois de o operador seleccionar o destino pretendido e premir um simples botão, um feixe de energia desmaterializava os personagens que se “evaporavam” da nave para depois voltarem a corporizar-se no local distante escolhido. Esta viagem era efectuada num piscar de olhos e, aparentemente, os viajantes não sofriam quaisquer danos. Na imaginação dos autores da série, o processo de teletransporte consistia em recolher a informação total sobre a composição do viajante, em que a posição relativa de cada átomo era rastreada. Toda a informação era então primeiramente transferida como se fosse uma transmissão de televisão e, imediatamente a seguir, concentrada no local de destino onde os átomos do viajante eram novamente colocados na posição correcta como se se tratassem de peças de Lego.
Apesar de o teletransporte de matéria organizada continuar a ser algo que só existe no imaginário da ficção científica, este assunto tem sido alvo do interesse de várias equipas de cientistas. Contudo, estes deparam-se com vários problemas teóricos e tecnológicos, entre os quais existe um que pertence ao domínio da Física Quântica, fundamental e intrínseco à própria natureza da matéria e que foi enunciado pelo Físico Heisenberg. Designado por “princípio da incerteza”, o seu conteúdo diz-nos que não é possível saber simultaneamente a posição e a energia de uma partícula subatómica com a mesma precisão. Isto é assim uma vez que para sabermos a posição de uma partícula é necessário observá-la e para isso é necessário interagir com ela de alguma forma. Ao fazê-lo estamos, contudo, a alterar alguma coisa: a posição dela ou a sua energia. A implicação disto para o assunto do teletransporte é o de que existe esta barreira de incerteza para que possamos construir um equipamento que consiga recolher simultaneamente toda a informação sobre a posição e a energia das partículas que nos compõem, para depois poder de alguma forma enviar essa informação para outro lugar e reconstruir uma cópia exacta!
Desde há alguns anos o Professor Anton Zeilinger, da Universidade de Viena, na Áustria, tem vindo a trabalhar e a desenvolver idéias sobre “Teletransporte Quântico” (http://www.quantum.univie.ac.at/zeilinger), sendo talvez mais conhecidas as suas experiências com “fotões entrelaçados”, partículas descritas por possuírem as mesmas propriedades e que se “transformam” da mesma maneira onde quer que estejam, apresentando ainda a propriedade de adquirirem instantaneamente qualquer modificação ocorrida pela outra. Imagine: se um dos fotões entrelaçados mudar de cor o seu “companheiro” muda instantaneamente para a mesma cor e vice versa.
Este assunto, que foi capa do número de Abril de 2000 da revista Scientific American, volta a surgir agora na primeira página da edição desta semana da prestigiada revista Nature. Num artigo publicado na edição de 17 de Junho (M. Riebe et al. Deterministic quantum teleportation with atoms, Nature, 2004, 429, 734 – 737) uma equipa de cientistas, da qual Zeilinger também faz parte, do Instituto de Informação e Óptica Quântica de Innsbruck, na Áustria, comunicou os seus resultados sobre teletransporte quântico, anunciando que conseguiram, pela primeira vez, teletransportar informação de um átomo para outro. Os investigadores afirmam ter conseguido transferir informação quântica de um átomo de cálcio para outro átomo de cálcio, a uma temperatura próxima do zero absoluto (273ºC negativos). Realizar as experiências a esta temperatura é imprescindível uma vez que no zero absoluto todo o movimento atómico pára! Imobilizando desta forma os átomos de cálcio, os cientistas utilizaram as tais partículas entrelaçadas para provocar a transferência de informação: dois átomos com as mesmas características com fotões entrelaçados numerados por 2 e 3, no zero absoluto. Quando, por exemplo, o átomo 2 foi de determinada forma modificado por uma outra partícula numerada por 1, a alteração assim provocada transferiu-se imediatamente para o átomo de cálcio numerado com o 3 e que estava “entrelaçado” com o átomo número 2!
Uma das aplicações tecnológicas destas experiências é o desenvolvimento de “computadores quânticos”, caracterizados por possuírem uma velocidade de processamento de informação muito superior à dos actuais (que são binários) assim como poderem ter uma quase infinita capacidade para armazenar informação.
Enquanto aguardamos com espanto pelo avanço nesta área, não podemos deixar de ficar um pouco cépticos com este próprio conhecimento. Mas perante esta situação não posso deixar de citar uma frase famosa do cientista Sir Arthur C. Clarke, inventor do satélite de comunicações:

Toda a tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da pura magia”.


António Piedade, escrito em 2004

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Entrevista a Carlos Fiolhais sobre Teoria Quântica






António Piedade - A que é que nos referimos quando adjectivamos de Quântica disciplinas como a Química e a Física?

Carlos Fiolhais - Referimo-nos à teoria quântica, que começou a ser proposta em 1900 e que ficou estabelecida nos anos 20 do século passado. Permite descrever o comportamento do mundo à escala atómica e subatómica, embora tenha consequências a escalas maiores. Uma boa parte da Física é quântica e podemos dizer que toda a química também é quântica, isto é, os seus fenómenos assentam nessa teoria. É uma teoria um pouco estranha pois as partículas atómicas e subatómicas não se comportam como os objectos do nosso dia a dia, mas até hoje ainda não foi contrariada por nenhum facto experimental.

AP - Que salto paradigmático ocorreu no nosso conhecimento sobre a matéria de que somos feitos, com a formulação, há mais de 100 anos, da Mecânica Quântica?

CF - A primeira mudança que custou a aceitar foi a proposta de Planck de que a energia associada à radiação era emitida não em quantidades arbitrárias, mas sim num certo número de quantidades discretas (os “quanta”). Pouco depois Einstein disse que a luz não era apenas emitida e absorvida em “quanta” mas que existia sob a forma de “quanta”: os fotões ou “grãos de luz”. A luz era, portanto, uma onda e uma partícula, por muito paradoxal que isso parecesse. Mais tarde, percebeu-se que partículas materiais como os electrões são, eles próprios, também partículas e ondas. E percebeu-se como os electrões se organizam nos átomos, como os seus “saltos” permitem a emissão e absorção de luz, e como os electrões funcionam como uma “cola” para unir átomos em moléculas ou sólidos. Percebeu-se ainda que as leis da física quântica são bem diferentes das da física clássica: por exemplo se sabemos a posição de um electrão, não podemos saber a sua velocidade (princípio de incerteza de Heisenberg).

AP - Quais as aplicações no nosso dia-a-dia do conhecimento entretanto acumulado pela mecânica quântica? Os computadores e as tecnologias da informação dependem dela?

CF - Sim, muita da tecnologia actual baseia-se na física quântica. Os transístores que estão em todo o tipo de aparelhos (por exemplo nos computadores e televisões) são dispositivos de base quântica. O laser, que está também por todo o lado (por exemplo, nos cabos de fibra óptica), é também um fenómeno quântico.

AP - Num artigo publicado primeiramente “on-line” na Nature Photonics, investigadores do Departamento de Electrónica e Telecomunicações da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, em Trondheim (aqui), dizem terem conseguido aceder, como “hackers”, a uma chave quântica secreta, que era a garantia de segurança da informação trocada entre dois dispositivos electrónicos, disponíveis no mercado, ligados remotamente entre si por fibra óptica. Alegam terem assim mostrado a falibilidade das chaves quânticas. O que é a criptografia quântica e quais as suas aplicações actuais?

CF - A criptografia quântica é o uso das leis da física quântica para assegurar a privacidade das comunicações à distância (essa privacidade é exigida, por exemplo, quando fazemos operações bancárias no multibanco ou na Internet com o cartão de crédito). É uma das modernas aplicações da mecânica quântica. O referido artigo critica alguns aspectos de uma técnica particular. Não invalida a criptografia quântica, em geral, que é uma das esperanças para melhorar a segurança das nossas operações mais reservadas.

AP - As chaves quânticas são comuns nas Tecnologias da Informação Computadorizada? Pode dar-nos exemplos da sua utilização?

CF - A criptografia está a começar a ser usada e não há ainda exemplos de utilização corrente. Mas há protótipos. A actual criptografia tem base uma mais matemática do que física, mas funciona bastante bem! A criptografia que vier a ser adoptada no futuro funcionará decerto ainda melhor…

AP - Na sua opinião, qual é a relevância deste artigo para a robustez dos sistemas que baseiam na Criptografia Quântica?

CF - Qualquer novidade científico-tecnológica, como a criptografia quântica, tem de ser criticada e testada. Artigos como este são muito úteis pois permitem escolher melhor os sistemas a adoptar. É curioso que, passados mais de cem anos desde a sua fundação, a teoria quântica continue a dar aplicações novas. E não é apenas na criptografia. A nanotecnologia – a engenharia à escala atómico-molecular – também promete novos benefícios para todos nós…


Publicado no dia 7 de Setembro de 2010 no Diário de Coimbra