A cada segundo são produzidos cerca de 2,4 milhões de
glóbulos vermelhos numa pessoa saudável. Mais de cem mil milhões todos os dias!
Este número pode parecer muito grande mas é a realidade que permite a renovação
regular e normal dos cerca de cinco milhões de glóbulos vermelhos, ou
eritrócitos, que existem num mililitro de sangue, conferindo a este a sua
característica cor vermelha. Cerca de um quarto de todas as células que compõem
o nosso corpo são eritrócitos!
Cada eritrócito tem um tempo de vida médio de entre 100 a 120
dias. Depois de mais de 3 meses a transportar oxigénio e dióxido de carbono por
todo o corpo, a ter papel decisivo na regulação do ferro presente no organismo,
entre muitas outras funções, estas células sanguíneas “envelhecem”, perdem a
flexibilidade necessária para atravessar a rede apertada de vasos capilares e
vénulas e são retirados de circulação pelo baço.
Onde é que são formados estas células que nos oxigenam de
vida? Num tecido especializado chamado hematopoiético, presente na medula óssea
de alguns ossos (diferentes ao longo da vida) e num processo de diferenciação
celular designado por eritropoiese. Este processo envolve uma série de transformações
celulares sucessivas a partir de células estaminais hematopoiéticas presentes
naquele tecido.
Se por um lado os vários passos celulares da eritropoiese
são conhecidos há muito tempo, por outro lado os mecanismos bioquímicos, a base
molecular subjacente à transformação de uma célula estaminal nas sucessivas células
precursoras ainda não é totalmente compreendida.
A malformação de glóbulos vermelhos, tendo um grande impacto
na saúde do indivíduo, resulta de uma deficiente composição das biomoléculas
que formam o eritrócito. Ao se identificar as primeiras e subsequentes etapas
bioquímicas que estão e são a base da diferenciação, poder-se-á desenvolver
novas terapias dirigidas para o epicentro do problema, e assim eventualmente
tratar diversas doenças como sejam a anemia falciforme, entre outras.
Para isto contribui uma descoberta publicada num artigo na
edição online de 14 de Março da revista Science. Uma equipa de
investigadores suíços (da Escola Federal Politécnica de Lausanne) e espanhóis (do Centro de
Regulação Genómica de Barcelona) descobriu os mecanismos moleculares que
regulam um passo importante na formação dos eritrócitos conhecido por
mitofagia. Este consiste na eliminação das mitocôndrias (organelos
intracelulares envolvidos na respiração celular, assim como em outros processos
essenciais da vida) presentes no citoplasma das células hematopoiéticas.
A mitofagia é conhecida há muito tempo, mas a descoberta agora publicada identifica uma
cascata de reacções envolvendo proteínas (o sistema KRAB/KAP1 e micro RNAs que regulam a sua
transcrição) que em concerto modulam de uma forma subtil e sofisticada a
degradação das mitocôndrias presentes no eritroblasto percursor do eritrócito.
Esta descoberta desvenda um potencial alvo terapêutico não
só para as doenças que envolvem uma deficiente formação dos glóbulos vermelhos,
mas também para outras doenças em um mau funcionamento das mitocôndrias é
verificado.
Por fim, este conhecimento vem potenciar a possibilidade de
produção de eritrócitos em laboratório e assim resolver problemas de saúde
relacionados com estas células essenciais à vida.
António Piedade
Referência do artigo:
Isabelle Barde, Benjamin Rauwel, Ray Marcel Marin-Florez,
Andrea Corsinotti, Elisa Laurenti, Sonia Verp, Sandra Offner, Julien Marquis,
Adamandia Kapopoulou, Jiri Vanicek, and Didier Trono. A KRAB/KAP1-miRNA Cascade Regulates Erythropoiesis Through
Stage-Specific Control of Mitophagy. Science,
14 March 2013 DOI: 10.1126/science.1232398
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